Mesas Redondas (MR)
MR 52: O exílio na antropologia contemporânea: interrogando uma presença nebulosa
Coordenação:
Cynthia Andersen Sarti (UNIFESP)
Debatedor(a):
Bela Feldman-Bianco (UNICAMP)
Participantes:
Felipe Magaldi (UNIFESP)
José Sergio Leite Lopes (UFRJ)
Liliana Sanjurjo (UERJ)
Resumo:
É conhecida a referência de Edward Saïd ao exílio como uma experiência que “nos compele estranhamente a pensar”, embora terrível de se viver, fratura incurável. Para o autor, em suas Reflexões sobre o Exílio, a diferença entre os exilados de outrora e os atuais é de escala. Vivemos a era das imigrações em massa. Quando se altera a dimensão do fenômeno, mudam também as formas de nomeá-lo e, assim, inscrevê-lo em categorias que lhe deem inteligibilidade. Modificam-se, em suma, os modos de apreendê-lo e de lidar política e socialmente com ele.
São inúmeros os estudos antropológicos voltados para os deslocamentos que marcam a contemporaneidade em nível global, diferencialmente situados no tempo e no espaço, entre os trânsitos, localidades e identidades envolvidos nesses processos, nomeados por distintas categorias: diásporas, migrações, expulsões, refúgios. Estranhamente, o exílio, emblema do desterro, é secundariamente referido nesses estudos, deixando de lado uma categoria que foi fundamental, em sua inscrição política, no contexto das ditaduras latino-americanas do século XX. Esta mesa pretende interrogar essa presença nebulosa. Propomos discutir, entre as formas de aproximação da antropologia a esses processos históricos e sociais, quais os sentidos e implicações desses deslocamentos de categorias para pensar e nomear a descontinuidade da vida diante de partidas forçadas de pessoas e populações. O tema reveste-se de especial relevância nos 60 anos da ditadura brasileira.
Trabalho para Mesa Redonda
Felipe Magaldi (UNIFESP)
Resumo: Este trabalho trata de algumas experiências e trajetórias de brasileira/os (e cidadã/os estrangeira/os
residentes no Brasil) banida/os do território nacional durante a ditadura militar (1964-1985). Esse tipo de
desterro foi sobretudo consequência das negociações que libertaram presos políticos em troca de embaixadores
sequestrados por organizações clandestinas entre as décadas de 1960 e 1970. Para analisá-lo, explora-se a
participação da/os banida/os em fóruns de denúncia pública realizados no exterior, com ênfase na primeira
sessão do Tribunal Russell II, realizado em Roma, Itália, em 1974. O cenário italiano, desprovido de uma
política pública de acolhimento, se destacava pelas iniciativas civis de publicização das violações no
contexto do compromisso histórico. A partir da análise dos testemunhos do referido evento, consultados no
arquivo histórico da Fundação Basso, busca-se compreender como se deu a construção da figura antropológica
do exílio naquele contexto, em tensão com a nascente figura do refugiado, então parte integrante da
incipiente retórica humanitária.
Trabalho para Mesa Redonda
José Sergio Leite Lopes (UFRJ)
Resumo: Pretendo partir de reflexões autobiográficas como filho de exilados universitários durante dois
períodos, entre 1964 e 1967 e posteriormente entre 1969 e 1979. O caso permite diferenciar o primeiro
período, uma ida para o exterior de meu pai, aceitando o convite de professor visitante em universidade
francesa, do segundo período, a situação mais duradoura representada pelas punições de aposentadoria
compulsória em universidade pública (de pai e mãe) e demissão em centro de pesquisa com estatuto de fundação
privada com financiamento governamental. Os primeiros anos se segu iram a situações de inquérito em 2
processos de IPM (FNFi/UB e ISEB) assim como prisão de dois dias na véspera de viagem no ano de 1964. Já o
segundo período, desencadeado pelo AI-5, vinha interromper bruscamente projetos iniciados após dois anos de
retorno ao país, e se configurava uma situação de exílio mais duradouro por impossibilidades de exercício
profissional no Brasil. A ida para o exterior de pai e mãe afetaram de forma diferente a experiência dos 3
filhos segundo o ciclo de vida diverso de cada um. No meu caso propiciou a frequência ao ciclo básico dos
estudos de graduação em universidade francesa (anos letivos 1966/67 e 1967/68) e o convívio com exilados do
período inicial da ditadura. Já no período que se seguiu a 1969 eu me encontrava terminando a graduação e
iniciando estudos de pós-gradua&cc edil;ão no Brasil, e no final da década dos 70 já estava nos anos
iniciais da carreira de docente. Enquanto isso, ex-colegas do ensino médio ou universitário passavam por
situações (que poderiam ter sido as minhas) de diferentes graus de repressão (morte, prisão, torturas,
clandestinidade, exílio temporário, processos na justiça militar, banimento). Em pesquisas de campo
etnográficas em convívio com trabalhadores industriais e rurais pude conhecer situações de clandestinidade
temporária e de exílio interno de ativistas, perseguidos nos anos pós-golpe de 1964. O objetivo da
apresentação seria assim refletir sobre gradações e diferenciações das situações e das experiências do
exílio segundo as trajetórias possíveis de indivíduos em diferentes momentos do ciclo de vida e com
diferentes capitais socioeconômicos e escolares.
Trabalho para Mesa Redonda
Liliana Sanjurjo (UERJ)
Resumo: A geografia do exílio argentino durante a ditadura militar (1976-1983) é conhecida e comumente narrada a
partir de coletividades de exilados conformadas em países como Espanha, França, Itália, México e Suécia. As
redes transnacionais constituídas entre exilados nesses países e os movimentos de familiares de
desaparecidos e de direitos humanos na Argentina foram inscritas nas memórias sobre o período. Elas são
lembradas e reconhecidas pelo seu importante papel no trabalho de denúncia internacional de violações
cometidas pela repressão ditatorial, num período em que o léxico humanitário passou a ganhar proeminência em
escala local, regional e global. Em contrapartida, são poucas as referências sobre o exílio argentino no
Brasil, figurando como uma presença invisível, narrada através de silêncios e permeada por ambiguidades e
desconfortos em relação às formas de significar e nomear a experiência do desterro. Foi buscando tornar
inteligível esses silêncios que realizei uma pesquisa com argentinas/os que se deslocaram para o Brasil
entre os anos de 1974 e 1981. A partir de suas memórias, produzidas e registradas ao longo dessa pesquisa, à
luz das representações associadas ao exílio no contexto latino-americano da segunda metade do século XX,
neste trabalho analiso os sentidos atribu& iacute;dos à experiência política e migratória,
problematizando as categorias mobilizadas (exilados, refugiados, migrantes, estrangeiros) e as múltiplas
formas de viver, significar e entender o exílio.
© 2024 Anais da 34ª Reunião Brasileira de Antropologia - 34RBA
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