Coordenação:
Mónica Lourdes Franch Gutiérrez (UFPB)
Participantes:
Fátima Regina Gomes Tavares (UFBA)
Carlos Alberto Caroso Soares (UFBA)
Octavio Andrés Ramón Bonet (UFRJ)
Resumo:
Nesta mesa, propomos uma discussão sobre a categoria sofrimento no campo da antropologia da saúde, em sua relação com as políticas da vida e privilegiando as dimensões etnográficas da discussão. Nossa intenção é focar nos processos, ao invés das forças sociais que pretensamente são capazes de explicar tudo. Pretendemos contornar o problema do relativismo para colocar em primeiro plano os agenciamentos terapêuticos, desfazendo premissas como a diferença entre doenças e curas (biológicas); mal-estares e cuidados (representações e crenças), sem que isso implique necessariamente em empoderamento ou emancipação dos sujeitos. Se, como sustenta Talal Asad, agência e subjetividade não são sinônimas, pois aquela se encontra objetivada nas articulações entre humanos e não humanos em processos de coemergência, tampouco a agência concorre necessariamente para a eliminação do sofrimento. Entendemos que conferir centralidade ao sofrimento, como na abordagem de Veena Das, encarnado em experiências de sujeitos e coletivos vulnerabilizados, acompanhando os “destinos” conferidos à sua resolução em contextos seculares e/ou religiosos, e as teorias da vida, na perspectiva de Didier Fassin, enquanto um vasto território biológico e material, social e experiencial, possibilita potencializar as etnografias das formas específicas pelas quais os processos terapêuticos são objetivados e problematizar clivagens que sustentam certos referentes da saúde, delimitando precocemente as suas fronteiras.
Trabalho para Mesa Redonda
Carlos Caroso (UFBA)
Resumo: Tomamos com ponto de partida a concepção de que as práticas terapêuticas e cura religiosas não são
arbitrárias ou aleatórias, uma vez que resultam de situações diferenciadas de sofrimento das pessoas que
vieram a se tornar praticantes em saúde.
Com vistas a melhor compreensão destas práticas e de seus praticantes, tomamos como uma das referências o
conceito teórico de agenciamento para analisar a cura religiosacomo parte de uma longa tradição histórica no
Brasil, que atualmente é encontrada tanto em ambientes rurais quanto urbanos e abrange várias formas de
expressão. Nosso argumento é desenvolvido a partir de uma análise da maneira pela qual a reputação de
pessoas reconhecidas por seus poderes extraordinários e sobrenaturais são
representadas, por meio da construção de signos, sinais e disposições somáticas que são encontrados em
elaboradas estéticas das práticas rituais e performances retóricas que asintegram e são apropriadas nas suas
construções.
Trabalho para Mesa Redonda
Fátima Regina Gomes Tavares (UFBA)
Resumo: O trabalho apresenta uma abordagem etnográfica da pluralidade terapêutica em comunidades quilombolas em Cachoeira, Bahia, que são atendidas pela Estratégia Saúde da Família-ESF. Considerando as dificuldades de acesso (distância e condição das estradas) às Unidades Básicas de Saúde da Família nas áreas rurais, as vulnerabilidades sociais que permeiam essas comunidades, e as experiências cotidianas de racismo, compreender a pluralidade terapêutica em quilombos atendidos pela ESF apresenta desafios adicionais que busquei mapear por meio dos agenciamentos terapêuticos, que humanos e não humanos, desfazendo a dualidade entre doenças e mal-estares; e de sistemas terapêuticos “separados” (religiosos, tradicionais ou alternativos) ou em fricção (intermedicalidade) com as práticas biomédicas.
Os estudos de campo realizado nessas comunidades desde 2014 compreendeu dois períodos voltados à investigação dos cuidados em saúde, em que foi possível observar diferentes formas de relação entre a ESF e o pluralismo terapêutico local. No primeiro período (2016-2018) foi realizado o mapeamento de práticas terapêuticas quilombolas, em que se agenciam procedimentos variados para a “feitura” dos remédios, sua aplicação e descarte. A disseminação da cultura biomédica de prevenção e tratamento de doenças tem resultado na diminuição dessas práticas tradicionais, reconhecimento que convive com a avaliação positiva sobre a “chegada da saúde” (a ESF), em que se luta por mais postos de saúde, melhores estradas, mais médicos e ambulâncias. Nesse processo, os agenciamentos terapêuticos quilombolas vem se fazendo por adição, incorporando as práticas biomédicas quando convém, e mobilizando práticas tradicionais nas frestas da relação médico-paciente, com os agentes de saúde ou mesmo durante a permanência em hospitais. Dessa forma, ao invés da convivência entre diferentes “sistemas” de saúde, temos uma rede espraiada, com práticas tradicionais que atravessam os espaços intersticiais da organização dos serviços de saúde. No segundo período (2022-2023), que investigou a percepção dos quilombolas sobre a ESF, pude acompanhar os agenciamentos terapêuticos que produzem cortes na rede, condensando emoções e disjunção com a ESF por meio de experiencias de sofrimento e racismo. O sofrimento ordinário da vida cotidiana, “não dramático” (vide Veena Das), é explicitado nas difíceis condições da vida e de acesso à saúde (às consultas, aos especialistas, aos exames, ao hospital), em que se percebem à margem desses serviços. Mas o sofrimento também vem sendo agenciado como “evento crítico” da memória da escravidão, por meio da luta contra o racismo, tanto no sentido universalista do direito à saúde, quanto na reivindicação de especificidades da ESF para os quilombos.