ISBN: 978-65-87289-36-6 | Redes sociais da ABA:
Mesas Redondas (MR)
MR 02: A Antropologia e a Década Internacional das Línguas Indígenas
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Coordenação:
Danilo Paiva Ramos (UNIFAL-MG)
Debatedor(a):
Anari Braz Bomfim (ONG)
Participantes:
Sâmela Ramos da Silva Meirelles (UNIFAP)
Evandro de Sousa Bonfim (UFRJ)
Leandro Marques Durazzo (UFRN)

Resumo:
Diante da situação crítica de eminente perda de extenso patrimônio linguístico e cultural da humanidade, foi instituída pela Assembleia Geral das Nações Unidas a Década Internacional das Línguas Indígenas (DILI) para o decênio 2022-2032. A DILI tem como o lema Nada para nós sem nós, afirmado na Declaração de Los Pinos Chapoltepek, que estabelece a participação efetiva dos povos indígenas nos processos de tomada de decisão, consulta, planejamento e implementação como princípios norteadores da iniciativa. Nesse contexto, foi elaborado o Plano Nacional da Década das Línguas Indígenas que explica os objetivos, metas, ações e organização no Brasil, com a criação do GT Nacional das Línguas Indígenas e mais dois outros grupos de trabalham que chamam atenção para formas pouco documentadas da diversidade linguística ameríndia no país: o Português dos Povos Indígenas e das Línguas de Sinais Indígenas. Reunindo linguistas e antropólogos/as que, a partir de uma perspectiva interdisciplinar, dedicam-se ao registro de línguas indígenas, assessoria a processos de retomada/ revitalização linguística, assessoria para o ensino de línguas indígenas em escolas diferenciadas e à documentação de artes verbais, a presente mesa tem por objetivo debater sobre as contribuições da antropologia e da abordagem etnográfica para a consolidação de objetivos da DILI e do GT Nacional das Línguas Indígenas.

Trabalho para Mesa Redonda
A Antropologia e a Década Internacional das Línguas Indígenas: questões de ontologia e linguagem
Danilo Paiva Ramos (UNIFAL-MG)
Resumo: A Década Internacional das Línguas Indígenas (DILI), instituída pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 2019, tem como objetivo promover ações contínuas e efetivas para o reconhecimento, valorização e manutenção das línguas indígenas no mundo. No Brasil, o grupo de trabalho nacional da DILI vem realizando um levantamento das ações de fortalecimento, revitalização e retomadas linguísticas no país, podendo essas ações serem vistas como estando em continuidade com o Inventário Nacional da Diversidade Linguística que, desde 2010, esteve a cargo do IPHAN e buscou coletar informações abrangentes sobre todas as línguas do Brasil para identificar a situação atual de cada uma delas para subsidiar políticas públicas favoráveis ao patrimônio linguístico. De modo relevante, as ações do GT da DILI vêm sendo marcadas pelo protagonismo de linguistas indígenas e de lideranças de diferentes povos para a elaboração de políticas linguísticas locais, regionais e nacionais, além a afirmação da necessidade de valorização das concepções sobre língua e comunicação de cada povo, não sendo possível mais somente a imposição de conceitos e entendimentos sobre língua e linguagem de áreas acadêmicas como a Linguística e a Antropologia. Os processos atuais e participativos de registro, fortalecimento, retomada/revitalização linguística e de artes verbais vêm impondo a necessidade de recolocar a questão sobre o que é uma língua e sobre quais as naturezas da linguagem. Se para a Linguística o conceito de língua envolve as formas de comunicação entre pessoas humanas, vivas e pertencentes a comunidades de fala, para a maior parte dos povos indígenas as teorias da linguagem envolvem pensar também a comunicação com espíritos, encantados, antepassados, plantas e animais. A convergência dessas perspectivas diversas sobre a linguagem gera impasses e sérias questões para valorização da diversidade linguística. Tomando como ponto de partida a proposta do GT nacional da Década Internacional das Línguas Indígenas, o presente trabalho busca demonstrar a importância da etnografia da fala/ comunicação e da abordagem ontológica nos estudos sobre linguagem para uma entendimento do multinaturalismo e das dimensões cosmopolíticas envolvidas em processos de registro, retomada/revitalização linguísticas e documentação/fortalecimento de artes verbais indígenas.

Trabalho para Mesa Redonda
Língua-espírito: ontologia da linguagem e a pesquisa das línguas ameríndias na Década Internacional das Línguas Indígenas
Evandro de Sousa Bonfim (UFRJ)
Resumo: as línguas indígenas sempre foram prioridade das políticas administrativas do Estado desde o empreendimento colonial. As apropriações das línguas indígenas por agentes estatais, começando pela promoção do bilinguismo da população mestiça, passando pelas sistematizações jesuíticas e as atividades de coletas de listas de palavras das expedições científicas, mostram como as línguas indígenas foram fundamentais para a ocupação do território e controle das populações originárias pelas diversas Forma-Estado (colonial, imperial, república). Mesmo com o advento da pesquisa científica das línguas indígenas no Brasil, ocorrido bastante tardiamente em virtude da presença de agentes missionários com apresentação pública acadêmica, como o Summer Institute of Linguistics, a agenda e o aparato teórico para tratar dos idiomas ameríndios permanece em grande parte externa às cosmopolíticas linguísticas das próprias comunidades de falantes. Contudo, nas últimas décadas tem ocorrido o chamado levante linguístico das línguas indígenas, que inclui projetos de retomada e fortalecimento linguístico, a luta pela salvaguarda das línguas em risco de interrupção da transmissão intergeracional e a proposta de renovação epistemológica através de concepções metalinguísticas indígenas como a noção de língua-espírito. A apresentação tem como objetivo discutir o valor heurístico do conceito de língua-espírito que vem atuando como operador ontológico do plano de ação da Década das Línguas Indígenas no Brasil.

Trabalho para Mesa Redonda
O estatuto encantado das línguas indígenas: comunicação mais-que-humana e revitalização linguística
Leandro Marques Durazzo (UFRN)
Resumo: A partir de um breve estudo de caso, considerando a relação do povo indígena Tuxá (Rodelas/BA) com seus antepassados mais-que-humanos, chamados de "encantados", e as dinâmicas de política linguística e revitalização de sua língua ancestral, o Dzubukuá, refletimos sobre as tensões e os limites terminológicos que definem a vitalidade e a extinção de um idioma. Considerada a experiência ritual, comunicacional, escolar e política tuxá, buscamos entender modos outros de existência, em que línguas tidas como mortas pela ciência ocidental mostram-se, por diferentes relações étnicas, ontológicas, rituais e epistêmicas, línguas encantadas, com falantes vivos, mesmo que mais-que-humanos. No limite, refletimos como direitos linguísticos e direitos originários dos povos indígenas se encontram interligados a múltiplas formas de conhecimento, de ocupação do espaço e de experiências históricas e cosmológicas, apontando a territorialidade como base da experiência indígena de mundo.