ISBN: 978-65-87289-36-6 | Redes sociais da ABA:
Trabalho para Mesa Redonda
MR 40: Memórias ambíguas: processos e narrativas de desestabilização de políticas de reconhecimento e preservação
A gestão empresarial das memórias sensíveis: poderes, sentidos e práticas em torno do Cais do Valongo no Rio de Janeiro
A comunicação toma como base o artigo A gestão empresarial das memórias sensíveis. Poderes, sentidos e práticas em torno do Cais do Valongo no Rio de Janeiro”, publicado em 2023 na revista Tempo Social e escrito em parceria com João Paulo Castro. O mote inicial do trabalho foi compreender por que o sítio arqueológico Cais do Valongo havia se tornado uma política de memória bem-sucedida” (segundo avaliação corrente de muitos pesquisadores do patrimônio, ativistas e intelectuais dedicados à valorização da cultura negra). O processo de reconhecimento do Cais do Valongo foi articulado evocando imagens de tragédia e vergonha: por ele aportaram quase um milhão de africanos escravizados ao longo do século XIX. Após a abolição da escravidão, e no afã de exibir um país moderno no início do século XX, a então prefeitura da capital soterrou o local e ali construiu uma praça. Aterradas por mais de um século, as ruínas do cais foram desveladas em 2011, durante a implementação da operação urbana Porto Maravilha e, diferente de vários processos de patrimonialização que levam anos para alcançarem um consenso interno e se projetarem internacionalmente, o local foi prontamente registrado como sítio arqueológico pelo IPHAN e listado Patrimônio Mundial da Unesco em 2017. Mas, como buscamos demonstrar, o processo foi veloz apenas na aparência. Sedimentando a ocasião da descoberta simbólica das ruínas do cais, havia mais de 50 anos de articulações para terriorializar a memória negra na cidade. Nesta mesa redonda, apresento então os feixes de poder que possibilitaram a inscrição do sítio arqueológico Cais do Valongo como patrimônio mundial, colocando em destaque três cenários: a incorporação de ativistas dos movimentos negros à administração pública no final dos anos 1970; a legitimação internacional das agendas afro-brasileiras pelo projeto A Rota do Escravo da Unesco; e o incremento à indústria turística durante o Porto Maravilha no início do século XXI. O argumento é que a territorialização das memórias da escravidão foi impulsionada por uma gestão empresarial das identidades culturais, em que métodos e procedimentos técnicos se impuseram como modelo de ação política. Desse modo, o discurso da identidade afro-brasileira se integrou às novas dinâmicas de acumulação do capital e de mercantilização cultural, com os sentidos e práticas em torno do cais agregando as lógicas do dever de memória e da regulação concorrencial.