Trabalho para Mesa Redonda
MR 40: Memórias ambíguas: processos e narrativas de desestabilização de políticas de reconhecimento e preservação
A gestão empresarial das memórias sensíveis: poderes, sentidos e práticas em torno do Cais do Valongo no
Rio de Janeiro
A comunicação toma como base o artigo A gestão empresarial das memórias sensíveis. Poderes, sentidos e
práticas em torno do Cais do Valongo no Rio de Janeiro, publicado em 2023 na revista Tempo Social e escrito
em parceria com João Paulo Castro. O mote inicial do trabalho foi compreender por que o sítio arqueológico
Cais do Valongo havia se tornado uma política de memória bem-sucedida (segundo avaliação corrente de muitos
pesquisadores do patrimônio, ativistas e intelectuais dedicados à valorização da cultura negra). O processo
de reconhecimento do Cais do Valongo foi articulado evocando imagens de tragédia e vergonha: por ele
aportaram quase um milhão de africanos escravizados ao longo do século XIX. Após a abolição da escravidão, e
no afã de exibir um país moderno no início do século XX, a então prefeitura da capital soterrou o local e
ali construiu uma praça. Aterradas por mais de um século, as ruínas do cais foram desveladas em 2011,
durante a implementação da operação urbana Porto Maravilha e, diferente de vários processos de
patrimonialização que levam anos para alcançarem um consenso interno e se projetarem internacionalmente, o
local foi prontamente registrado como sítio arqueológico pelo IPHAN e listado Patrimônio Mundial da Unesco
em 2017. Mas, como buscamos demonstrar, o processo foi veloz apenas na aparência. Sedimentando a ocasião da
descoberta simbólica das ruínas do cais, havia mais de 50 anos de articulações para terriorializar a memória
negra na cidade. Nesta mesa redonda, apresento então os feixes de poder que possibilitaram a inscrição do
sítio arqueológico Cais do Valongo como patrimônio mundial, colocando em destaque três cenários: a
incorporação de ativistas dos movimentos negros à administração pública no final dos anos 1970; a
legitimação internacional das agendas afro-brasileiras pelo projeto A Rota do Escravo da Unesco; e o
incremento à indústria turística durante o Porto Maravilha no início do século XXI. O argumento é que a
territorialização das memórias da escravidão foi impulsionada por uma gestão empresarial das identidades
culturais, em que métodos e procedimentos técnicos se impuseram como modelo de ação política. Desse modo, o
discurso da identidade afro-brasileira se integrou às novas dinâmicas de acumulação do capital e de
mercantilização cultural, com os sentidos e práticas em torno do cais agregando as lógicas do dever de
memória e da regulação concorrencial.
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