Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 060: Experimentos de Ontologia: formas de mundialização desiguais e etnografia como atuar criativo.
Viver com o sal : O que nos contam as pessoas, as plantas e os animais que vivem com o sal
Durante uma visita às instalações da empresa Dow química em agosto de 2022, uma engenheira de minas me
mostra uma pedra de sal embalada em filme plástico para evitar o contato com a umidade. Meu olhar se fixa na
pedra, exibida como uma lembrança na prateleira do armário. "Não existe mais nenhuma assim", comenta a
engenheira. Esse único exemplar de sal revela aos meus olhos a materialidade ubíqua, mas invisível, na vida
dos habitantes de Matarandiba, uma pequena ilha próxima a Salvador (BA).
O trabalho de extração de sal na ilha consiste em perfurar cerca de 1200 metros abaixo do nível do mar. Após
a perfuração, as máquinas injetam água com alta pressão para recuperar o sal. Este pode então circular
dentro dos dutos e atravessar o território da ilha, passando pelos manguezais, para chegar ao continente. Em
nenhum momento, os habitantes veem o sal.
Nesse sentido, tento mostrar que não apenas o sal e sua extração são invisíveis, mas que os danos sociais e
ambientais causados por essa extração foram dissimulados pela empresa mineradora. Nixon (2011) qualifica
como "violência lenta" a maneira como os danos ocorrem progressivamente e fora do alcance dos olhos" (2011:
2). A violência lenta tem como corolário à "resistência lenta", o modo como os coletivos humanos e não
humanos afetados pelos efeitos dessa violência reagem e resistem gradualmente aos seus impactos (Babidge
2019). Nesse texto, vou me concentrar na resistência das mulheres marisqueiras e dos mangues à exploração do
solo e subsolo em um território que optei nomear de "salgado".
Para entender as questões relacionadas ao sal na ilha, é preciso retroceder ao início dos anos 1960. A
comunidade não possui rede elétrica. Ela depende da produção artesanal do sal para garantir a conservação de
peixes e frutos do mar. Mas, no final dos anos 1970, uma primeira rede elétrica é instalada, e uma empresa
americana se estabelece nas terras da ilha para explorar os depósitos de sal.
A exploração acelerada dos recursos minerais leva a uma devastação sem precedentes dos territórios habitados
por grupos indígenas e/ou afrodescendentes na América Latina. Ela impõe uma ontologia única na qual a
natureza é vista como um recurso destinado a alimentar a indústria capitalista (La Cadena; Blaser, 2018).
No caso de Matarandiba, a exploração do sal se baseia no controle da circulação de sal nos tubos e controle
de humanos, animais e plantas. Proponho realizar uma etnografia de relações multi-espécies para entender
como as atividades de extração transformam as paisagens dos manguezais e da Mata Atlântica (Tsing 2017). Por
estar no centro das interações com os humanos, animais e microorganismos presentes nos manguezais, o sal
(salgema, salmoura, substância química) constitui o ponto de partida desta análise.