Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 081: Os limiares do corpo: a circulação de substâncias corporais e a produção de pessoas e relações
"Ele desliga o corpo": Questionamentos de pacientes com Síndrome dos Ovários Policísticos sobre o uso do anticoncepcional como tratamento
O questionamento acerca dos riscos à saúde por conta do uso de anticoncepcionais hormonais figurou pela
primeira vez em 1970 durante uma CPI no Senado norte-americano conhecida como Nelson Pill Hearings que expôs
publicamente os riscos cardiovasculares associados ao estrogênio presente na pílula (MARKS, 2001). A partir
de 2014, há uma nova onda de notícias sobre os riscos destes medicamentos no Brasil e uma explosão de grupos
de mulheres em redes sociais para discutir opções naturais de contracepção, embasando-se em uma espécie de
feminismo da diferença (KLÖPPEL; ROHDEN, 2019; SANTOS, 2018). Contudo, desde a década de 1990, a indústria
farmacêutica tem diversificado o marketing das pílulas anticoncepcionais e focado em seus potenciais
benefícios de saúde, como o controle da acne, da síndrome pré-menstrual e da regularidade menstrual
(WATKINS, 2012), mas poucas pesquisas qualitativas investigaram a percepção de usuárias sobre o uso
terapêutico dos anticoncepcionais.
Uma das condições reprodutivas nas quais a contracepção hormonal é considerada o padrão-ouro do tratamento
medicamentoso é a síndrome dos ovários policísticos (SOP) (TEEDE, 2023; MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2019). Ela é a
endocrinopatia mais frequente em mulheres em idade reprodutiva, com uma prevalência estimada entre 6% e 19%
no Brasil, dependendo do critério diagnóstico utilizado (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2019). A SOP é uma doença
multifatorial de apresentação heterogênea e com repercussões em diversos sistemas - reprodutivo, obstétrico,
metabólico, dermatológico, psicológico, além de ser um fator de risco para doenças cardiovasculares (TEEDE
et al, 2023).
A partir de sete entrevistas semiestruturadas com mulheres de 18 a 35 anos com diagnóstico formal de SOP
vivendo na cidade de São Paulo, foi realizado um estudo sobre as percepções de mulheres jovens quanto ao
diagnóstico de SOP, sua interação com profissionais de saúde e os tratamentos utilizados. Um tópico de
grande atenção é o fato de que todas as entrevistadas já fizeram uso de anticoncepcional, mas deixaram de
utilizá-lo por entenderem que ele não estava, de fato, tratando a sua condição.
Utilizando a crítica feminista sobre a produção de ciência, a criação de estereótipos de gênero e a
medicalização dos corpos femininos (OUDSHOORN, 1994; ROHDEN, 2008), busco explorar as noções de corpo, saúde
e o binômio natural/artificial, de forma a compreender as resistências à imposição de um modelo biomédico
que limita as experiências de normalidade do ciclo menstrual através da prescrição automática de
anticoncepcionais, ao mesmo tempo em que há uma busca de conformação deste padrão normatizado através de
estratégias categorizadas como naturais em oposição aos hormônios artificias.