Trabalho para Mesa Redonda
MR 30: Etnografias dos negacionismos e das alt-sciences: Perspectivas a partir da antropologia da ciência
A carta psicografada de Ademar Gevaerd: algumas observações sobre como ufólogos navegam no ambiente da
pós-verdade
Entre uma parcela significativa dos ufólogos, Ademar Gevaerd era reputado como um dos mais importantes
pesquisadores brasileiros do campo das últimas décadas. Nesses anos, ele editou a Revista UFO, organizou os
maiores congressos de ufologia do país e esteve presente em muitos programas de televisão que versaram sobre
o tema da vida extraterrestre. Em 2022, Gevaerd faleceu em decorrência de uma queda. No ano seguinte,
circularam nos meios ufológicos duas versões de uma carta psicografada atribuída a ele. Nos documentos, o
suposto espírito do ufólogo trazia informações sobre a vida além-túmulo, revelações sobre a relação entre
anjos e aliens, além de conjecturas sobre as relações entre o presidente Lula e os extraterrestres do tipo
reptiliano. Nesta comunicação analiso os efeitos dessa carta sobre uma parcela da comunidade ufológica. Ao
acompanhar esse episódio e as reflexões geradas por ufólogos a partir da disseminação do texto, terei a
oportunidade descrever como coletivos que regularmente acionam o idioma da suspeita e raciocínios
conspiratórios dirigidos a um fora, como a governos, cientistas e instituições públicas, lidam com situações
controversas na própria comunidade.
Vale observar que muitos dos estudos voltados à antropologia da pós-verdade se debruçaram sobre comunidades
que emergiram ou foram catalisadas no mundo pós-Trump. Os ufólogos, por seu turno, estão presentes na cena
pública desde 1947, onde apresentam sistematicamente os seus interesses, métodos de investigação e formas de
organização. O meu objetivo com esta comunicação é adicionar um pouco mais de compreensão à questão de saber
como paracientistas com uma trajetória anterior à emergência das plataformas digitais, navegam no ambiente
do que tem se chamado de pós-verdade. Trata-se aqui, portanto, de um esforço complementar àquele
caracterizado pela descrição das formas de produção de evidências, processos de constituição de grupo e
modos de circulação da informação entre paracientistas. Busca-se produzir uma etnografia de sua
transformação.
© 2024 Anais da 34ª Reunião Brasileira de Antropologia - 34RBA
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