Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 011: Antropologia da técnica
Reflexões sobre os aspectos sensoriais da caça de trufas negras (Tuber melanosporum) no Chile
Nesta apresentação, minhas intenções são refletir especialmente sobre a dimensão sensorial da caça de trufas negras (Tuber melanosporum) no contexto da truficultura chilena. Como se verá, essa é uma prática que envolve uma multiplicidade de aspectos não verbais, como cheiros, movimentos, sons e texturas, e que depende da constituição de uma relação de cooperação entre seres humanos e outros-que-humanos.
No Chile, o cultivo de trufas remonta ao início dos anos 2000, momento em que técnicas, conhecimentos e o próprio fungo foram importados da Espanha com o intuito de implantar os primeiros “pomares trufeiros” na América do Sul. Não obstante, passadas mais de duas décadas desde o estabelecimento das plantações experimentais, a truficultura, ali, já tem um “DNA chileno” – em outras palavras, o cultivo de trufas, a depender de onde é desenvolvido, demanda “manejos culturais distintos”, e, no país sul-americano, novos métodos, técnicas e tecnologias, próprias para seu contexto e ambiente, foram criadas.
Durante a pesquisa de campo, realizada entre os anos de 2022 e 2023, pude acompanhar a rotina dos irmãos Rafael e Víctor Henríquez, dois dos sócios-fundadores da Agrobiotruf, uma empresa especializada na produção e venda de árvores micorrizadas, na implantação de “pomares” em território chileno e na preparação e comercialização de cães trufeiros. Hoje em dia, seja nos bosques europeus ou em pomares cultivados mundo afora, a caça de trufas é uma atividade desempenhada pelo binômio cão-humano, companheiros de longa data em uma diversidade de atividades. De acordo com meus interlocutores, os cães, ao contrário de porcos e javalis – muito utilizados para essa faina nos séculos passados, especialmente na França –, não são comedores naturais de trufas, são de fácil transporte e manutenção, têm alto rendimento de trabalho, aprendem rapidamente, e, por fim, têm uma excelente capacidade olfativa.
A partir de meus dados etnográficos, proponho, nesta apresentação, que é por meio do cão que aquilo que está oculto, escondido no subsolo, pode ser revelado. Nas palavras de Víctor, responsável por treinar os animais para a prática em questão, os cães “se conectam” com o aroma das trufas e permitem, com isso, que acessemos – através de seu olfato, principalmente – um mundo que nos é inacessível. Um mundo que, em última instância, depende da comunicação entre cães e trufas através de um cheiro e do desenvolvimento, entre cães e humanos, de formas de se comunicar a respeito dessa “linguagem fúngica” particular.