Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 079: O visível e o in(di)visível: ciências, conhecimentos e produções de mundos.
Síndrome Congênita do Zika Vírus: de hipótese a entidade?
Quando a palavra Zika entrou na vida de Laura Gomes, ela tinha 25 anos recém completados. Havia dado à
luz Gabriel, seu primeiro filho. A gestação de Laura começou tranquila: nas primeiras duas consultas,
estava tudo certo. Na terceira, quando ela foi fazer o ultrassom morfológico, o exame acusou a
microcefalia. Os médicos, segundo Laura, não souberam explicar muito bem o que estava acontecendo. Uma
resposta aparentemente menos incerta veio após o nascimento do garoto: A microcefalia de seu filho está
associada à infecção pelo Vírus Zika, explicou um neurologista. Ele perguntou se ela havia tido algum
sintoma durante a gestação e, naquele momento, Laura lembrou-se que, realmente, lá pelo segundo mês de
gestação, algumas manchinhas vermelhas pipocaram por todo o seu corpo, mas foram embora e não lhe trouxeram
preocupação. Depois daquela primeira interação, a palavra Zika não saiu mais da vida de Laura e sua família.
Havia Zika no laudo que ela precisava obter para acessar alguns direitos do filho; havia Zika nas
reportagens da mídia sobre crianças como seu filho, sobre famílias como a sua; o Zika estava na boca de
pesquisadores que cruzavam seu cotidiano, em folhetos do Ministério da Saúde, no código de doenças. Uma vez,
durante uma palestra, Laura contou para a plateia sobre a primeira vez que foi falar em público, diante de
tantas pessoas. Em um tom cômico, ela relatou que estava tão nervosa que, quando recebeu uma pergunta,
esqueceu o nome da palavra... Zika! Ao contar essa história, ela deu uma honesta gargalhada. Como ela
poderia esquecer justamente a palavra Zika? Essa palavra penetrou seu cotidiano e nada deixou no lugar.
Esta palavra que passou a identificar, classificar e conectar tantos aspectos de sua vida. Até chegar em
seus ouvidos como a causa da microcefalia de seu filho, contudo, o Zika passou por um longo percurso. Neste
paper, procuro pensar nessa rede de transformações do Vírus da Zika: das salas de reunião onde ele ocupava o
lugar de hipótese da microcefalia até um marcador de laudo exigido para a obtenção de benefícios sociais.
Para isso, procuro, a partir de um conjunto de entrevistas com epidemiologistas que trabalharam na resposta
científica a essa epidemia, recuperar algumas das práticas, dinâmicas e articulações que fizeram a SCVZ
saltar de uma hipótese para um fato científico, emergindo como uma nova "entidade nosológica".