Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 065: Igualdade jurídica e de tratamento: etnografias de narrativas, produção de provas, processos decisórios e construção de verdades
Tutela coletiva e atuação cível do Ministério Público: uma análise de processos de inclusão e exclusão
discursiva por meio das noções de tutela, hipossuficiência e dádiva.
O paper aborda as noções de hipossuficiência, tutela e dádiva como categorias relevantes para reflexão
sobre a atuação cível do Ministério Público no âmbito da tutela coletiva de direitos de comunidades
tradicionais. O trabalho tem como referência pesquisa etnográfica de mestrado (Programa de Pós-Graduação em
Direito da UnB) realizada em 2022 e 2023 na Procuradoria da República no Distrito Federal (MPF), com enfoque
em dois casos específicos. Um acompanha ação judicial proposta pelo MPF, por meio da qual uma área, o
Santuário Sagrado dos Pajés, em Brasília/DF, foi reconhecida como terra indígena; e outro acompanha a
repercussão para os direitos de uma comunidade cigana no DF do aprisionamento indevido de sua liderança. A
atuação cível do Ministério Público em relação a comunidades tradicionais está inserida na área do direito
do processo coletivo, que ganhou força com Constituição de 1988 e na qual o Ministério Público ocupa papel
central. A atuação quanto a direitos coletivos é identificada pela categoria nativa de tutela coletiva. A
análise da participação do MPF nos casos joga luz na característica tutelar da atuação do Ministério
Público, que age amparado tanto na ideia de hipossuficiência, que estrutura a função institucional do órgão,
como também, paradoxalmente, no discurso de respeito ao ponto de vista dos envolvidos, sendo tal atuação
tensionada pelo protagonismo das comunidades. Isso resulta tanto na dissintonia entre o discurso e a prática
institucional do MPF, como também em processos de exclusão e inclusão discursiva das comunidades
tradicionais ao longo do processo de administração do conflito.
É necessário levar em conta, ainda, que essas dinâmicas são permeadas por relações estabelecidas mais em uma
lógica maussiana de dádiva do que em uma lógica contratual, utilitarista, de equivalência perfeita e
imediata.
Os atos identificados como de exclusão discursiva, em que o MPF não levou a sério o ponto de vista
expressado pelas comunidades, além de resultarem em experiências de vivência de cidadania inferior, também
não contribuíram para a administração dos conflitos, que se desdobraram em mais incidentes. Por outro lado,
a reação das comunidades e a resposta dada pelo MPF em algumas situações levou a vivências de inclusão
discursiva, em que o diálogo mais substantivo ocorreu, permitindo-se um melhor endereçamento das demandas de
direitos das comunidades e contemplando-se a dimensão do reconhecimento.
Identificar e compreender os processos de inclusão e exclusão discursiva e como a tutela, hipossuficiência e
dádiva pautam esses processos mostra-se importante, portanto, para entender as dinâmicas da administração do
conflito e como se dá a vivência da cidadania pelas populações tradicionais.