Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 057: Etnografias em contextos de violência, criminalização e encarceramento
"De que adianta escrever certo se a gente nem sabe se chegou ao destino": reflexões acerca da relação intra e extramuros produzida pelas cartas no cotidiano prisional.
A partir de uma pesquisa etnográfica realizada com mulheres trans e travestis que cumpriam pena na
Penitenciária Masculina de Florianópolis, em Santa Catarina, este trabalho tem por objetivo refletir sobre o
papel atribuído às cartas e documentos articulados cotidianamente pelas pessoas vinculadas à instituição
prisional. Neste sentido, proponho-me a pensar suas diferentes representações a partir da intersecção dos
marcadores de raça, classe social e identidade de gênero das mulheres com quem dialoguei. Durante a
realização da pesquisa de campo, pude observar o papel fundamental que as cartas exerciam no cotidiano
vivenciado pelas interlocutoras, em alguns casos elas representavam o resgate e a manutenção do contato com
seus familiares e amigos a partir de relatos do cotidiano, desenhos e registros fotográficos, bem como, a
demonstração de afeto pelos seus companheiros relatado em escritos permeados por amor e saudade, ainda, em
outros momentos as cartas representavam para as interlocutoras a possibilidade de serem vistas e ouvidas
pelos órgãos judiciais, ao passo que narravam situações de violência e restrições de direitos. Tais
documentos atuam enquanto vasos comunicantes que demarcam fronteiras, conectam a prisão e os espaços intra e
extramuros, produzindo redes de contato entre interlocutores, familiares e pesquisadores (Feltran, 2011;
Godoi, 2015; Lago, 2014). Ao mesmo tempo, as cartas não escapam do controle promovido pelo Estado que, na
figura de agentes policiais penais, realiza a leitura daquilo que foi escrito sob o argumento oficial de que
ali poderia haver a comunicação de algum plano de fuga ou resgate de pessoas presas, mas que, na prática, se
mostra muitas vezes enquanto um mecanismo de punição de determinados corpos a partir de uma análise
discricionária daquilo que é permitido entrar e sair da prisão (Padovani, 2015). Dessa forma, neste artigo
busco refletir as diversas representações produzidas pelas cartas a partir dos relatos e vivências que
surgiram no decorrer do meu trabalho de campo, bem como, a partir das experiências narradas por outros
autores e autoras que pesquisam o campo prisional.