ISBN: 978-65-87289-36-6 | Redes sociais da ABA:
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 040: Culturas populares e os usos da tradição
Samba corrido e samba de barravento em Cachoeira, Bahia: discursos em contraponto sobre a tradição no samba de roda
Caio Csermak (UFPB)
A organização em grupos artísticos de samba de roda dos sambadores de Cachoeira, Bahia, operou transformações significativas na instrumentação, nas técnicas de toque, nas formas de canto e nas funções dos instrumentos do samba na região. Esse processo é indissociável de mudanças na relevância de repertórios de distintos tipos de samba, dado que os sambadores dominam, além de um vasto repertório de sambas, diversos gêneros ou formas de samba, como samba corrido, barravento, chula e samba de caboclo, dentre outros. Com a predominância do grupo artístico como forma de expressão do samba em Cachoeira a partir dos anos 1970, verifica-se uma estabilização e redução de repertórios de samba, o que levou à institucionalização de duas formas de samba pelos grupos: o barravento e o corrido. A partir dos anos 1980, uma segunda etapa é gestada, ganhando força nos últimos anos 20 anos com o processo de patrimonialização do samba de roda e um maior acesso às políticas culturais: a preponderância do corrido sobre o barravento, o que fica mais nítido quanto mais nos aproximamos do regime profissionalizado das tocadas, categoria nativa para as apresentações de samba de roda. Barravento e corrido assumem, então, diferentes funções e figuram em momentos distintos das tocadas. A depender do contexto, os grupos tocarão um ou outro tipo de samba; já alguns grupos cultivam uma identidade inclinada a um deles. Assim, o contraste entre barravento e corrido se tornou estruturante dos grupos de samba de roda em Cachoeira. Nos discursos de sambadores e de pesquisadores sobre o samba, o barravento aparece, por um lado, como autêntico frente à descaracterização do samba pelo corrido e, por outro, o corrido se torna o repertório por excelência das novas gerações. No entanto, na maior parte do tempo acontece um jogo complementar entre ambos os tipos de samba, até porque boa parte dos sambas pode ser tocada nas formas tanto de barravento, como de corrido. O corrido operaria, portanto, como uma ponta de lança, promovendo um maior contato com repertórios alheios ao samba, sobretudo aqueles da música de consumo massivo e dos eventos musicais de caráter mais comercial. O barravento, por sua vez, seria um samba conectado ao fundamento e mobilizado pelos discursos tradicionalistas sobre o samba. Há, contudo, um campo de contenda em que os discursos dos sambadores apontam disputas e polissemias. Por isso, através da análise de dados de campo recolhidos ao longo de 2 anos de pesquisa etnográfica com os sambadores de Cachoeira, este trabalho analisa perspectivas múltiplas sobre os sambas barravento e corrido para discutir como eles são mobilizados em discursos orais e musicais para produzir compreensões diversas sobre tradição e autenticidade no samba de roda de Cachoeira.