Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 060: Experimentos de Ontologia: formas de mundialização desiguais e etnografia como atuar criativo.
Nos cantos do ouro: mundialização mebêngôkre em tempos de garimpo
Em abril de 1984, um grupo de cerca de 200 guerreiros da aldeia de Gorotire, aldeia ao leste da Terra
Indígena Kayapó, resolveu empreender uma expedição guerreira a um garimpo localizado no interior do seu
território. Acamparam, realizaram seus rituais guerreiros durante a noite e, no amanhecer do dia, irromperam
na cabeceira da pista de pouso, principal ligação entre o garimpo e as cidades próximas. Hoje clandestino, o
garimpo de Maria Bonita era, na época, comandado pelo próprio Estado brasileiro, que tinha a exclusividade
da compra do ouro coletado ali. Os guerreiros de Gorotire ocuparam o garimpo e disseram que sairiam apenas
se o governo atendesse a duas demandas: a demarcação de seu território e o aumento da porcentagem dos lucros
da exploração de ouro que competia aos Gorotire. Essa última demanda pode a princípio contrastar com a
imagem de guardiões da floresta construída por algumas lideranças mebêngôkre, mais destacadamente líderes
como Cacique Raoni, Tuíre e Paulinho Paiakan.
Esse trabalho se propõe a discutir as formas de mundialização mebêngôkre nessas frestas, ou como algumas
comunidades mebêngôkre fazem seu mundo em um contexto marcado pela presença em intensidade variável há mais
de quatro décadas de invasores em seu território, especialmente garimpeiros ilegais. Esse emaranhado também
inclui as relações e divergências políticas com outros grupos mebêngôkre, que muitas vezes se traduzem
inclusive na própria relação com o garimpo.
A TI Kayapó que, juntamente com outras 5 TIs contíguas, compõe o maior território indígena demarcado do
planeta é terra indígena brasileira mais afetada pela exploração de ouro. Essa exploração se concentra
especialmente na porção leste do território, área de domínio do grupo denominado Gorotire, o primeiro grupo
a estabelecer relações pacíficas estáveis com os não indígenas, ainda na década de 1940. Desde 1970, o
garimpo de ouro está presente no território gorotire, mas os últimos anos testemunharam uma destruição sem
precedentes. O avanço da tecnologia da destruição, aliado ao aumento sucessivo do valor do ouro no mercado
internacional, causaram na última década uma mudança brusca de uma garimpagem mais artesanal para um
maquinário devastador. Nesse cenário, marcado pelas gigantescas crateras do garimpo, os Gorotire tentam
constantemente construir seu mundo em um emaranhado de exploração e conflitos com os não indígenas e com
outros grupos mebêngôkre. Isso é especialmente interessante se pensarmos que a forma de mundialização
característica dos Mebêngôkre é marcada ao mesmo tempo por uma constante busca de partes mais-que-humanas
para uma produção ritual da humanidade (nomes, cantos, indumentária) e um embate político entre diferentes
grupos mebengokre para uma produção social de coletivos humanos.