Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 044: Dialéticas da plantations e da contraplantation: expropriação, recusa e fuga
Pães-de-índio: artefatos sociobiodiversos contra as monoculturas da vida
O presente trabalho pretende apresentar o histórico do isolamento do povo Katawixi, habitantes do interflúvio Purus-Madeira, em especial das florestas e campos das cabeceiras dos rios Mari, Mucuim e Paciá, e discorrer sobre os pães-de-índio, vestígios bioculturais encontrados em expedições de localização e monitoramento realizadas pela Frente de Proteção Etnoambiental (FPE) da FUNAI Purus-Madeira. O trabalho parte de duas premissas centrais: 1. que o ato de isolamento praticado pelos Katawixi é em si uma declaração de recusa, equivalente aos protocolos de consulta previstos na Convenção 169 da OIT(Ribeiro et al, 2022); e 2. que os povos indígenas são cultivadores da diversidade, seja ela social, biológica ou linguística (Carneiro da Cunha, 2019). O território Katawixi se situa em região - sul do município de Lábrea/AM - que, nos últimos anos, se tornou a nova fronteira da expansão agropastoril, extrativista e madeireira, fato que pressiona e ameaça a vida e território desse povo. Nas últimas décadas, as principais informações sobre os Katawixi provém, justamente, das expedições realizadas pela FPE Purus-Madeira e dos vestígios achados nas florestas antrópicas que manejam e nos artefatos encontrados em seu território (Cangussu et al, 2022, p. 123). Conforme explica Cangussu, os vestígios são os elementos materializados e observáveis no ambiente resultante da ação dos povos indígenas isolados (2021, p. 34), e, no caso específico dos Katawixi, os principais vestígios são pães-de-índio encontrados nas paisagens antrópicas do território katawixi, como castanhais e matas de palhal (Mendes dos Santos et al 2021, p. 9; Cangussu et al 2022, p. 139-141). Neste sentido, o nosso foco está nesses vestígios alimentares, que são o resultado de uma sofisticada técnica de produção de biomassas vegetais, visando seu armazenamento duradouro no solo (Mendes dos Santos et al, 2021, p. 16). Tal prática garante ao pão-de-índio uma posição privilegiada que correlaciona contextos arqueológicos a etnográficos, uma vez que são encontrados tanto em escavações arqueológicas quanto em territórios com a presença de isolados. Estudos preliminares sobre a composição destes pães revelam grande diversidade vegetal manejada em sua feitura, de tubérculos, frutos e grãos (Furquim, no prelo). Assim, o pão-de-índio é um artefato cultural que fala tanto de sistemas de conhecimento associados à diversidade de plantas alimentícias quanto de dinâmicas territoriais pretéritas e contemporâneas (Mendes dos Santos et al, 2021) que se contrapõem e recusam as políticas de vida da plantation.