Trabalho para SE - Simpósio Especial
SE 15 - Laicidade e Democracia em Perspectiva
O posicionamento da Antropologia acerca do racismo religioso no Brasil deve ser um compromisso ético-político com quem historicamente sempre colaborou com o desenvolvimento desta ciência e disciplina
É historicamente sabido que as religiões afro-brasileiras têm sido parte fundamental do campo de atuação da Antropologia no Brasil, figurando ao lado dos povos indígenas como um dos principais repositórios de onde antropólogos retiram parte significativa do material etnográfico com o qual elaboram suas análises. Não obstante esta reconhecida generosidade, nem sempre a premissa maussiana do dar-receber-retribuir se completa, já que muitas vezes a antropologia se detém no segundo movimento, não retribuindo na mesma medida o gesto de quem muitas vezes lhe confia o que há de mais precioso ao seu redor. Ora, tanto a Resolução 510, de 7 de abril de 2016, do Conselho Nacional de Saúde CNS (BRASIL,2016), quanto o Código de Ética da ABA prescreve e enfatiza a importância de que os/as profissionais da Antropologia primem por uma forma de atuação que evite no máximo prejuízos aos grupos pesquisados e, sempre que possível, revertam os benefícios resultantes destas pesquisas em favor desses mesmos grupos. O fato é que nem sempre isso acontece, uma vez que no seu métier, antropólogos e antropólogas, após garantirem seus títulos e vantagens curriculares com os materiais recolhidos nos terreiros, se afastam dessas comunidades (às vezes de forma definitiva) abandonando-as em suas lutas por dignidades e direitos, como se a luta política também não abrangesse o papel dos profissionais de antropologia. Quando assim agem, antropólogos e antropólogas assumem o papel de um tipo de traficantes do simbólico, cujo sentido vai muito além daquele empregado por Mariza Correia em texto hoje muito conhecido (CORREA, 1987). Nesta intervenção, pretendo problematizar essa forma de atuação dos profissionais da antropologia, no sentido de uma provocação acerca das implicações éticas e políticas na relação histórica entre antropologia e terreiros no Brasil. Não se trata de julgar a antropologia por seus pecados originais (LÉVI-STRAUSS, 1956) de outrora ou seus pecados capitais contemporâneos (PEIRANO, 2004), mas de problematizar o quanto às vezes somos omissos em relação às lutas daqueles que tanto nos apoiam e ajudam a construir esta ciência e disciplina. Neste sentido, entre outras coisas, aprofundarei a dimensão e os sentidos daquilo que alguns/mas podem chamar de antropólogo/a engajado/a, nativo ou afetado (FAVRET-SAADA, 2005). Da mesma forma, retomarei uma discussão sobre ética e pesquisa em antropologia que, ao meu ver, deve ser constantemente atualizada em função das dinâmicas contemporâneas de lutas políticas dos grupos com os quais estamos sempre trabalhando. Espero que essa discussão seja uma ocasião favorável para repensarmos nossas metodologias e práticas, além de, oxalá, assumirmos uma atuação da qual não tenhamos, no futuro, que nos envergonhar.