Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 085: Pesquisas sobre infâncias a partir das cosmologias tradicionais
‘Ũgmũ Yõg Hãm xi Kakxop: Crianças Tikmũ’ũn e a Retomada do Território
Uma das lideranças da aldeia é comunicada de uma ameaça de morte: um fazendeiro vizinho à Terra Indígena diz que mataria as crianças que invadissem seu terreno para caçar capivaras e dá um tiro à distância, para aterrorizar os Tikmũ’ũn (autodenominação dos Maxakali) que ali vivem. Autoridades devidamente acionadas, resta a incerteza sobre a possibilidade real de prevenção da violência anunciada com destemida hostilidade por homens brancos no interior de Minas Gerais. A luta pela terra sempre envolveu e impactou todas as pessoas que vivem em aldeias indígenas no Brasil, mas esses conflitos raramente são considerados em relação à uma categoria singular: as crianças indígenas. Direitos dos povos indígenas e direitos das crianças em intersecção, ao se contrastarem com as atuais condições de vida das crianças tikmũ’ũn, revelam as falhas de políticas públicas dos três poderes, bem como de problemas no convívio com a comunidade não-indígena do entorno. Questões ainda mais agravadas nos casos de retomadas recentes, que geram dinâmicas desiguais de disputa pela terra. Investigamos como o fortalecimento de valores colonialistas proposto veladamente por diversas instituições que assediam frequentemente suas aldeias está entre as causas das repetidas agressões contra os Tikmũ’ũn (Nũhũ Yãg Mũ Yõg Hãm: essa terra é nossa, 2020). Mobilizando teorias da virada ontológica (STENGERS, 2018; VIVEIROS DE CASTRO, 2018; MOL, 1999), decoloniais (CÉSAIRE, 1977; LUGONES, 2014; QUIJANO, 2014), anticapitalistas (MBEMBE, 2017; HARAWAY, 2015), antirracistas (GONZALES, 2011; SANTOS, 2015) e dialogando com pensadores indígenas (MAXAKALI, S., 2021; MAXAKALI, E., 2022; ANDRADE, 2021; CRUZ, 2017; CORREA, 2018; KRENAK, 2020; SANTOS, 2020; XAKRIABÁ, 2021; SMITH, 1999), procuramos atualizar a crítica à branquitude – presente há tempos nos discursos da intelectualidade negra do país (BENTO, 2002) – abordando a “etnofobia” brasileira por seus povos originários. Direcionamos nossas reflexões para os desafios enfrentados pelos Tikmũ’ũn, nesse contexto, para manter a qualidade da criação das crianças dentro de seus modos de vida próprios. Também tratamos da retomada do território das crianças, de suas práticas comunitárias intergeracionais e das fundamentais relações com os não-humanos sempre presentes nas aldeias: os yãmĩyxop. Para tanto, nossa proposta é elaborar um texto em colaboração e diálogo com a comunidade, que ofereça perspectivas de várias gerações. Acreditamos que essa discussão contribui tanto para a literatura da Antropologia da Criança quanto do Direito, pois, como aponta Oliveira (2012), as crianças indígenas são antes indígenas que crianças e, como tais, não se podem perder de vista seus direitos diferenciados.