Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 066: Imagens emergentes: antropologia e (re)montagens de arquivos audio-visuais
É preciso aprender a voltar para casa: etnoficção, etnofabulação e a experiência audiovisual no fazer
antropológico.
Para a população afro-diaspórica, o ato de narrar a si mesma foi negado desde os primeiros momentos do
sequestro que deu origem a uma travessia transatlântica forçada. Os africanos escravizados foram impedidos
de enunciar a memória e origem de si. E esse feito, seguiu se atualizando em diferentes maneiras de
invisibilizar as narrativas da população negra, mantendo essa história diaspórica fragmentada no tempo e no
espaço dessa terra-nação chamada Brasil.
Nesse caminho se torna necessário entender as consequências que as imagens construídas ou invisibilizadas
geram na sociedade. Imagens acabam informando quem somos, fomos e podemos ser, as questões que ficam são:
quem pode narrar a fim de produzir memórias e imagens? Quem pode ouvir o que as imagens querem dizer?
Se pensarmos em uma etnografia de arquivos fotográficos de pessoas negras como vestígios visuais da memória,
temos a possibilidade de reivindicar, reajustar a materialidade no presente e recriar memórias de
futuridade. Segundo a autora Christina Sharpe (2023), a população negra, sobretudo afro-diaspórica na
pós-escravidão, vive no vestígio, onde o passado que não passou, reaparece para romper o presente. Nesse
sentido, viver no vestígio também abre caminhos para uma futuridade negra já presente e se torna uma
oportunidade de olhar e criar outras realidades possíveis, como belos experimentos de fazer do viver uma
arte (HARTMAN, 2021). Diante da violência e da impossibilidade de representação do negro nos arquivos
históricos, Saidiya Hartman (2019), desenvolve um método que denomina fabulação crítica, uma narrativa
recombinante, que tece passado, presente e futuro, recontando essas histórias, habitando e construindo suas
alteridades.
Este trabalho discorre sobre a experiência na produção audiovisual do curta-metragem É preciso aprender a
voltar para casa, realizado Coletivo Audiovisual Panelinha, criado por estudantes do Programa de
Pós-graduação em Antropologia Social (PPGAS/UFSC). O filme é uma etnoficção, ou etnofabulação, que apresenta
um caminho ancestral de memória em movimento colocando em cena memórias visuais enterradas de um
passado-presente. Através da performance do corpo em movimento, do caminhar em busca de memória e de uma
identidade do personagem, a obra fabula a própria busca etnográfica do autor. De um eu não individual, mas
sim coletivo (EVARISTO, 2005), que compartilha a experiência de ser negro, do sul do Brasil.
Em diálogo com Martins (1995) ao trazer para cena o corpo, símbolos de discursos e a visão negra do negro e
do mundo, há uma futuridade que tira o que historicamente esteve na sombra e restitui o sentido plural de
ser. Ou seja, o caminho que se faz para voltar para casa, possibilita vislumbrar a própria singularidade
presente nesse universo.