ISBN: 978-65-87289-36-6 | Redes sociais da ABA:
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 075: Mundos em performance: interfaces entre antropologia e arte
"A Marcha passou por aqui": observações sobre a Marcha das Vadias nas ruas do centro do Recife.
Este trabalho parte de uma pesquisa etnográfica realizada na Marcha das Vadias Recife (MVR) entre os anos de 2017 a 2019, entendendo como essencial a relação da manifestação com as ruas do centro da cidade, convertendo-se num espaço singular para determinadas formas de reinvindicação política. Iniciada no Canadá, em 2011, com o nome Slutwalk, a Marcha das Vadias se caracterizou como uma manifestação de mulheres que foram às ruas com roupas consideradas provocantes, em corpos seminus, se autodeclarando vadias, como forma de protesto a cultura do estupro. As roupas curtas, os corpos desnudados, adornos e outros elementos estéticos foram transformados em críticas às moralidades e aos padrões sociais que impactam à vida das mulheres. Com grande repercussão online, a Marcha chegou em Recife com características próprias, e aconteceu de 2011 à 2019, se consolidando como uma das mais representativas manifestações feministas ocorridas na cidade, ocupando ruas do centro. Entendemos aqui as vestimentas e a nudez no espaço público em lugar central no conceito e realização da Marcha, como formas singulares de protesto, por seu poder subversivo, de ressignificação, força estética e discursiva. Portanto, parte grande dos esforços analíticos passa pela apropriação dos corpos como elemento político reivindicatório (BUTLER, 2019). O empreendimento etnográfico focou na ocupação do centro da cidade por mulheres em um ato político, onde, nos três referidos anos, tiveram a concentração inicial em praças do centro da cidade, marcadas historicamente por abrigar as mais importantes manifestações políticas do Recife, como campo de resistência e luta. O espaço público, majoritariamente ocupado por homens, como campo de disputa, era ocupado e marcado pelas mulheres em marcha. São vozes, instrumentos, palavras de ordem, lambes, pixo que falam sobre as lutas, dores e reivindicações das sujeitas. Alguns destes elementos conseguiam romper o momento da Marcha e permaneciam ocupando os muros, pontos de ônibus, lixeiras, postes de iluminação, compondo e se apropriando do cenário urbano. Além de ocuparem espaço, os elementos visuais que a Marcha das Vadias deixava, se conectava e se incorporava ao tecido urbano, deixando no centro da cidade a materialização dessa performance política. O patrimônio público e privado era marcado e se convertia em registros, individuais e coletivos, materiais ou não, visuais e auditivos, que, até hoje, documentam não só a cultura, como também registram na memória e na história do feminismo - um movimento político de mulheres em uma grande cidade do país. Hoje a Marcha não existe enquanto manifestação de rua, mas é preciso entender que esta possibilitou outros debates e se mantém na memória de uma geração que conheceu o feminismo através dela.