Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 044: Dialéticas da plantations e da contraplantation: expropriação, recusa e fuga
Vivendo entre valentes e serpentes: acordos e lutas contra humilhações, covardias, fogos e venenos em um assentamento na região da BR-163, Amazônia
Este trabalho reflete sobre violências cujas raízes remetem à colonização e ao capitalismo em processos históricos de conquista de regiões de fronteira. Indago se o modelo analítico da conquista (SOUZA LIMA, 1995; MACHADO ARÁOZ, 2023) pode elucidar como a plantation e a mineração alimentam a exploração e o controle de recursos naturais e de populações em uma fronteira do desenvolvimento neoextrativista. A análise se baseia na etnografia que realizei sobre conflitos socioambientais em um assentamento da região da rodovia BR-163 (Sudoeste do Pará, Amazônia), o Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) Terra Nossa.
Desde a criação do PDS em 2006, famílias de pequenos agricultores, reconhecidas pela administração pública como assentadas, responsabilizavam o governo pelas violências que enfrentavam. Foi o governo que as jogou em meio a valentes: fazendeiros, grileiros, mineradoras e madeireiras, os quais reproduziam o mito do pioneirismo dos colonos brancos que conquistaram terras supostamente vazias. Os valentes ameaçavam cotidianamente seus bens, lotes, direitos, animais, roças, acesso à água, corpos, casas, escola e outras materializações de seu trabalho e ocupação na terra requisitos para serem assentados. Ao mesmo tempo, muitos servidores do governo se revelaram serpentes por favorecerem valentes e disciplinarem os movimentos dos pequenos agricultores. Movimentos esses necessários para a habitação da terra enquanto morada da vida, em conjunto com seres não humanos e materialidades não redutíveis a recursos.
Para assentados, as serpentes e os valentes, embora diferentes, se complementavam como agentes de sua expropriação em situações narradas por humilhações e covardias, bem como por usos do fogo e de venenos por fazendeiros, grileiros, aviões do agronegócio (pecuária e soja) e mineradoras que exploram ouro do PDS. Ademais, esses antagonistas gradualmente envenenaram as relações entre assentados, via acordos com alguns de seus segmentos, que se converteram ao outro lado da luta. As famílias que se mantiveram na luta do PDS eram alvo de ameaças, agressões, desprezo e racismo anti-indígena e antinegro, sendo estigmatizadas como vagabundas, sem-terra e/ou ambientalistas. Logo, eram retratadas como contrárias às melhorias de vida prometidas pelos valentes que, por seu turno, passaram a ser descritos como amansados ou coringas devido às ajudas que ofereciam.
Assim, a persistência do discurso civilizador do desenvolvimento e o apagamento de outras historicidades e formas interespecíficas de habitar o mundo são dispositivos da colonialidade nesses conflitos. Argumento que a questão étnico-racial é central nos conflitos desencadeados por políticas de desenvolvimento orientadas por eixos de exportação de commodities.