Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 040: Culturas populares e os usos da tradição
Um mingau in memoriam dos finados: um estudo sobre a tradição da bebida feita de mandiocaba e consumida em meio ao ritual da Iluminação aos Mortos em Vigia de Nazaré - PA
O ritual da Iluminação aos Mortos apresenta muitas variações nos lugares em que acontece, posto que as determinantes culturais, religiosas e mesmo políticas balizam até os mais ínfimos detalhes do relacionamento com a morte e com os mortos. Na região nordeste do estado do Pará e até certa parte do estado do Maranhão, é tradição consumir um mingau feito do sumo da mandioca doce que se chama manicuera, e que é fervido por cerca de quatro horas, a partir do qual acrescenta-se arroz branco ou farinha de tapioca e acompanhamentos como macaxeira, batata doce e cará ingredientes tradicionalmente cultivados e utilizados pelas comunidades indígenas que na região viviam -. Sua particularidade de consumo é ser uma bebida característica da Iluminação, ritual anual que ocorre no dia 02 de novembro, Finados, ocasião em que limpam-se os túmulos para receber a visitação, ofertam-se flores, grinaldas, e se acendem velas durante o dia todo, especialmente a noite. A iluminação compreende várias facetas rituais que congregam, por sua vez, múltiplas performances em meio aos ditames religiosos e sociais, e o aspecto alimentar, assim, não deixa de estar inserido. Durante a iluminação, diversas pessoas, sobretudo as mais idosas e interioranas, relatam não dispensar a beberagem de manicuera nesta data. É uma tradição que se reproduz e que está ancorada em experiências sociais, sensitivas e mesmo palativas que engendram a manutenção de tal costume alimentar. Ancorados na Antropologia da Morte em diálogo com demais campos do saber, e interessados etnograficamente na feitura do mingau, sua venda e seu consumo, deambulamos a partir da etnografia de rua na cidade cemiterial e em seus entornos, praticando a observação flutuante na necrópole e apreendendo a sensorialidade e os sentidos dados à bebida na respectiva data. Assim, refletimos sobre as possíveis razões que conectam uma bebida/alimento com o cotidiano da morte, tencionando as contribuições étnicas para com esse hábito/prática alimentar, bem como pensar acerca das motivações que permeiam a continuidade de tal prática em meio ao ritual de finados, além de destacar as possíveis ressignificações de práticas alimentares dos povos indígenas, tanto cotidianas quanto rituais.