Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 079: O visível e o in(di)visível: ciências, conhecimentos e produções de mundos.
Saberes menstruais: modos de conhecimento por usuárias de coletores
Esta pesquisa foi conduzida sob abordagem interdisciplinar na área de Gênero, Ciência e Educação. Desejo
colaborar com o Grupo de Trabalho mostrando que as formas de veridição universalistas da ciência moderna são
alicerçadas em premissas androcêntricas. Assim, desejo enfatizar a imprescindibilidade de considerarmos
vieses de gênero nas práticas científicas e conferir destaque a modos de conhecimento que se esforçam por
escapar de prescrições que violentam corpos menstruantes. A pesquisa é concentrada no coletor menstrual um
objeto de silicone em formato de taça a ser inserido no canal vaginal para recolher o fluxo da menstruação.
Como o substantivo sugere, o objeto coleta o sangue uterino ao invés de absorvê-lo, característica única
entre os dispositivos menstruais. Sua invenção remonta a 1937, atravessando diferentes momentos de
tentativas de comercialização; no Brasil, foi somente a partir da década de 2010 que conquistou um público
consumidor. A fim de compreender sua tardia emergência, investigo transformações nas ordens
prático-simbólicas da menstruação que o uso dos coletores vem promovendo. Para tanto, destaco dois elementos
orientadores: por um lado, ele apresenta propriedades que demandam acuidade de percepção às características
únicas dos corpos das pessoas que o utilizam e possibilita um contato inédito ao sangue menstrual
invulnerado em cor, cheiro, textura e volume, tensionando estigmas menstruais e processos correntes de
alienação corporal. Por outro, a disseminação do coletor ocorre no Brasil a partir de redes de mulheres que
constroem conhecimento através da troca de suas experiências, num movimento horizontalizado que desafia
normas de etiqueta menstrual e imperativos de manter a menstruação sob a alcunha do segredado. Argumento que
a partir do uso desse dispositivo estão ocorrendo transformações nos discursos e práticas considerados
legítimos sobre corpo, saúde, sexualidade e autonomia, principalmente no que concerne à autoridade médica
frente às habilidades de percepção desenvolvidas pelas usuárias do coletor. Como, afinal, a ciência moderna
descreve a ocorrência da menstruação e quais as implicações dessa descrição? Alinho-me aos preceitos
epistemológicos do feminismo perspectivista (standpoint theories), encarando criticamente os valores de
objetividade, racionalismo e fundacionalismo que ocultam o viés androcêntrico na produção de saber
científico.
© 2024 Anais da 34ª Reunião Brasileira de Antropologia - 34RBA
Associação Brasileira de Antropologia - ABA