ISBN: 978-65-87289-36-6 | Redes sociais da ABA:
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 032: As Ações Afirmativas no Brasil atual: análises antropológicas sobre a eficácia, eficiência e efetividade das reservas de vagas no ensino superior
Quem é negro no Ceará? Processos de racialização no Estado e políticas de ação afirmativa
O trabalho objetiva analisar as problemáticas envolvidas na autoclassificação e heteroclassificação do “pardo no contexto do Ceará, buscando compreender como essa categoria é mobilizada e que impactos têm na política de ação afirmativa no Estado. Pardos constituem 64,7% do total da população cearense, de acordo com o último censo demográfico (IBGE, 2022). Porém, dentre os indivíduos que se autodeclaram pardos, quais deles têm de fato direito a concorrer a vagas por cotas raciais nas universidades públicas, sendo considerados negros pelas comissões de heteroidentificação, para efeito das políticas de reparação? A questão dos pardos tornou-se crucial para o debate sobre ações afirmativas no Brasil, como diversos autores vem reconhecendo. Porém, no Ceará esse debate torna-se ainda mais relevante, uma vez que o Estado é o terceiro com a maior população parda do País (IBGE, 2022). Além disso, se no Brasil, a ideologia racial tem como eixo o mito de que “somos todos mestiços”, no Ceará a crença difundida por intelectuais brancos é de que “aqui não existem negros e a matriz populacional cearense seria composta apenas de povos originários e colonizadores brancos. Nesse contexto, em que a própria existência da negritude é negada, buscamos compreender o papel que tem os debates em torno de quem tem ou não direito ao acesso às ações afirmativas como um tipo de letramento racial. Entendendo raça como construção social, as discussões sobre quem é ou não negro para ter acesso às ações afirmativas, criam a possibilidade de “ler a negritude de alguém com base no exame detalhado de seu fenótipo. Fizemos o acompanhamento dos debates na mídia convencional e nas redes sociais digitais sobre denúncias de fraudes nas cotas raciais para acesso às universidades, e também sobre contestações judiciais ao indeferimento de candidatos como pardos pelas comissões de heteroidentificação. Discutimos a literatura existente sobre mestiçagem no Brasil e nos detivemos nas especificidades das relações raciais e do racismo no Ceará, em seus aspectos sincrônicos e diacrônicos. Como resultados da pesquisa, entendemos que esse processo, por mais que seja permeado de conflitos, tem levado ao reconhecimento de que negros no Ceará têm especificidades fenotípicas em relação a outros lugares do País onde a pele é mais escura e os traços afrodescendentes mais marcantes. Por outro lado, faz-se necessário cada vez mais o letramento racial da população de forma ampla, para levar a compreensão de que é para os negros/pardos no Ceará que as cotas são destinadas e não para brancos que, por desconhecimento ou má fé, se autodeclaram pardos nos levantamentos censitários e para fins de acesso às políticas públicas de reparação histórica aos afrodescendentes.