Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 018: Antropologia dos venenos
Flechas envenenadas, corpos venenosos: uma toxicologia Karitiana
Entre os Karitiana, povo indígena de língua Tupi-Arikém que habita sete aldeias no norte do estado de Rondônia, diz-se que as flechas com pontas lanceoladas feitas de taquara, apropriadas para a caça de grandes mamíferos, têm veneno. Um mito conta, inclusive, a origem deste veneno, fundada na íntima conexão entre as serpentes e as armas de caça: flechas são, de certo modo, cobras. Ademais, os Karitiana conhecem alguns outros venenos de origem vegetal aplicados às pontas de setas. Não obstante, uma série de práticas dietéticas e técnicas corporais destinam-se a agir sobre os corpos dos caçadores, tornando-os, eles mesmos, envenenados. Parece haver, assim, uma comunicação intensa entre as potências predatórias dos homens e suas armas de caça: o que afeta uns afeta também as outras. A atenção a estas práticas relacionadas à alimentação, ademais, aponta para uma categorização do veneno como um gradiente que vai do eficaz ao mortífero, pois é preciso balancear o consumo de certas substâncias para que se obtenha um corpo (e flechas) envenenado e, portanto, eficiente na caça, sem correr-se os riscos de envenenar-se pelo excesso. Este artigo, assim, busca iluminar uma toxicologia da caça Karitiana - sua definição de veneno de caça, dos modos como eles são obtidos e de que maneiras são empregados no abate de suas presas. A noção de que a eficácia dos venenos depende não só do ato de envenenar armas, mas também de fazê-los nos corpos de seus usuários, ademais, convida-nos a repensar os próprios relatos indígenas acerca dos venenos de flecha.