ISBN: 978-65-87289-36-6 | Redes sociais da ABA:
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 069: Maternidades Violadas: desigualdades, violências e demandas por justiça e direitos
"Ela precisa se organizar": quando interdições morais sobre maternidades negras viram práticas judiciais
Este trabalho busca analisar a persistente tensão entre a sacralização da maternidade (atribuída principalmente às mulheres brancas) e a ameaça constante de perda de filhos enfrentada pelas mulheres negras, exigidas que se organizem para evitar a destituição. Essa tensão é investigada como uma expressão de políticas judiciais tanto no final do século XIX quanto em suas manifestações contemporâneas no projeto de reintegração familiar solicitado às mães pelas equipes de serviços de acolhimento e da Vara da Infância e Juventude no estado do Rio. A pesquisa, parte da minha tese de doutorado, foca na retirada compulsória de bebês de suas mães nas maternidades na Área Programática de Saúde 4.0 (AP 4.0), que abrange 19% do município do Rio de Janeiro. A escolha deste tema surgiu da interseção de questões relativas à destituição do poder familiar, a materialidade da vida, a habitação e a experiência de maternidades negras. O objetivo deste texto é discutir um caso específico de destituição de parentalidade de uma mulher atendida pela política pública de acolhimento Lares Carioca, da Secretaria Municipal de Assistência Social (SMAS) da AP 4.0, conforme relatado por uma Conselheira Tutelar envolvida no caso. O programa Lares Carioca visa apoiar gestantes e mães com crianças de até dois anos em situação de rua ou extrema vulnerabilidade, oferecendo um lar individual para cada mulher nas diversas APs do Rio de Janeiro. Este estudo questiona como um programa destinado a beneficiar mulheres pode, paradoxalmente, desencadear um processo violento de destituição familiar, sob a alegação de não cumprimento das exigências do programa ou falha em "se organizar" para manter a custódia dos filhos. A pesquisa é guiada por questões fundamentais: Como a exigência de "se organizar" para manter ou recuperar a custódia dos filhos se torna uma prática constante nas experiências de maternidade negra dentro de um projeto de nação? De que maneira o auxílio por políticas de Estado pode acabar se convertendo em uma escalada de violências? Por fim, busco explorar as tensões que revelam certas continuidades nas situações vivenciadas por mães negras, refletindo sobre a construção do conceito de lar em contraposição à exigência de "se organizar", e identificando brechas que possam oferecer uma rota de escape desse cenário.