Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 065: Igualdade jurídica e de tratamento: etnografias de narrativas, produção de provas, processos decisórios e construção de verdades
Narrativas étnicas em um tribunal do júri em Mato Grosso do Sul: a produção narrativa de identidades e
experiências
Nosso objetivo é analisar o tribunal do júri e os autos processuais relacionados a um caso de
feminicídio indígena ocorrido em uma aldeia no território guarani tradicional, em Mato Grosso do Sul. A
vítima trata-se de uma liderança indígena feminina do povo Guarani Ñandeva (tupi-guarani). A mulher
assassinada era uma rezadora. Foi alvejada com disparos de revólver por dois homens encapuzados nos fundos
de sua casa, onde estava com seu filho. Um dos acusados, um homem da mesma etnia e morador da mesma aldeia
que a vítima, foi levado ao tribunal do júri sob a acusação de feminicídio. Nosso intuito é observar os
autos processuais e o tribunal do júri referentes a esse caso para evidenciar como se dá a construção da
vítima por meio de narrativas diversas: o boletim de ocorrência, as falas dos personagens no tribunal do
júri, o depoimento do réu e das testemunhas etc. Argumentamos que as diferentes narrativas construídas em
relação à vítima apresentam o eixo étnico como elemento norteador, aspecto estabelecido pelo laudo
antropológico inserido no processo e que foi articulado de diferentes formas pela defesa e pela acusação.
Baseamos nosso argumento no conceito de identidade narrativa, formulado por Paul Ricoeur, em "Tempo e
narrativa". De acordo com o autor, a identidade é construída por meio de histórias narradas. No caso que
observamos, há uma disputa narrativa em torno da construção da identidade da vítima, fazendo surgir
múltiplas identidades. Olhar para as construções narrativas sobre a vítima em diferentes registros nos
ajudam a perceber como experiências culturais se traduzem em narrativas no tribunal do júri, tal como
demonstrou Ana Lúcia Pastore Schritzmeyer, em "Jogo, ritual e teatro: um estudo antropológico do Tribunal do
Júri". A metodologia será etnográfica. Em um primeiro momento, utilizaremos a etnografia de documentos para
analisar os autos processuais do caso e, em um segundo momento, nos apoiaremos na etnografia de narrativas
para descrever as construções narrativas sobre a vítima no tribunal do júri, evento que representa o
desfecho do processo. Este trabalho apresenta os primeiros resultados de uma pesquisa em andamento que
iniciamos em 2023.
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