Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 040: Culturas populares e os usos da tradição
Os múltiplos caminhos da tradição espiritual e de sabedoria do povo Ejiwajegi
A presente pesquisa tem como enfoque a vida espiritual dos integrantes de uma sociedade ameríndia no atual Mato Grosso do Sul. A espiritualidade dos Kadiwéu, autodenominados Ejiwajegi, é bastante rica e complexa, refletindo processos históricos de contato com a sociedade envolvente e de incorporação de elementos simbólicos e materiais ali encontrados. Descendentes dos temidos cavaleiros Guaicurus, povo guerreiro e resistente que se opôs às penetrações espanholas e portuguesas, aliando-se ao governo brasileiro na ocasião da Guerra da Tríplice Aliança, presenciaram um convertimento ao Evangelho desde a segunda metade do século XX. O objetivo desta pesquisa é compreender a realidade espiritual atual da sociedade kadiwéu, tendo em vista os processos de transformação cosmológica em que ela está inserida, as diversas tradições que ali convergem, e as relações estabelecidas entre estas na construção de ideais de autenticidade étnica e espiritual. Essa investigação não aborda uma religião em particular, mas as múltiplas formas em que se desenvolvem os processos identitários deste povo, dentro de um universo espiritual intrinsecamente multicêntrico. Ela é desenvolvida ao longo de três eixos, com problemas, objetivos e metodologias que lhe são próprios: o primeiro retoma, essencialmente através de uma releitura da literatura etnográfica clássica com um olhar teórico atualizado, o estudo das crenças animistas e das práticas xamânicas de uma religião tradicional, que oficialmente, foi suplantada pela penetração bem-sucedida do cristianismo (evangélico); o segundo, foca o presente evangélico, a partir também dos depoimentos de algumas pessoas idosas que tomaram parte das grandes transformações que levaram à sua constituição; no terceiro eixo, exploramos as maneiras em que cosmologia animista, cultura popular católica e crenças evangélicas, através de contínuos processos simbólicos de ressignificação e apropriação, são conjugadas para dar vida a um modo de estar no mundo, entendido como autêntico, próprio e originário - aqui realizamos algumas indagações e comparações diacrônicas de rituais xamânicos e cristãos, das atuações e prerrogativas dos nidjenigis (xamãs) e dos pastores, das cosmologias e mitologias antigas e presentes, atentos tanto aos elementos de continuidade como aos de descontinuidade que ali aparecem. Este trabalho, que busca atualizar a obsoleta literatura sobre a vida espiritual do povo Ejiwajegi, se sustenta em uma abordagem qualitativa, de base etnográfica (com trabalho de campo realizado na aldeia Alves de Barros, capital kadiwéu), com uso de entrevistas e observação, participante ou não.