Trabalho para Mesa Redonda
MR 65: Religião, culturas africanas e lideranças afro-muçulmanas: atributos como ações significativas
“Ninguém tem tolerância sem que ela seja posta à prova”: Al-Halim e autoridade religiosa na comunidade islâmica baiana
De acordo com Talal Asad o Islã, como objeto de estudo, deve ser entendido como uma “tradição discursiva” a partir da qual modelos normativos da religião são recriados e atualizados histórica e culturalmente. O contexto desempenha um papel de suma importância também nas formas como a autoridade religiosa islâmica é e pode ser exercida. No cenário baiano, a história da presença islâmica no estado e as particularidades da composição de sua comunidade têm relevância significativa na sua dinâmica social e intersubjetiva, assim como nas possibilidades de atuação do seu líder, o Sheikh nigeriano Abdul Hameed Ahmad. Como base em pesquisa etnográfica e entrevistas em profundidade, esta comunicação busca compreender a produção do estilo de autoridade religiosa de Ahmad à luz das especificidades do ambiente no qual ela acontece.
Com forte presença de migrantes da diáspora africana, um número apreciável de convertidos e uma ampla diversidade étnica, cultural e de formação teológica, a comunidade muçulmana baiana contemporânea requer tecnologias de liderança específicas. Sua heterogeneidade e os desafios postos para a prática religiosa como minoria, marcada pelo imperativo da adaptação de convertidos e imigrantes – os primeiros neófitos na religião e os últimos ambientando-se ao lugar – implica a necessidade de mobilização de atributos como tolerância e humildade, por parte de seus membros e do líder. Em termos de sua “tradução” teológica, essa disposição geral foi descrita pelo Sheikh como inspirada na qualidade islâmica Al-Halim. Um dos noventa e nove nomes de Deus listados na literatura religiosa, Al-Halim aparece diretamente derivado do texto do Alcorão. Na sua dimensão humana, ter hilm pode ser entendido como a capacidade de ter sabedoria e tolerância, permitindo a uma pessoa controlar sua indignação mesmo que seja justificada. Não se trata, no entanto, de um atributo estável ou dado. Como sugere o hadith narrado por Hisham ibn Urwa citado no título da comunicação, como ética islâmica da virtude, hilm precisa ser testada para emergir. No que concerne a sua liderança, o atributo foi descrito pelo Sheikh como uma “modalidade de paciência” que incide na sua capacidade de pesar corretamente as contingências, em particular as negativas, lhe permitindo concentrar “no que é importante”. O rasgo de caráter ou conduta associados com hilm se relacionam de forma especialmente interessante com o imperativo de construção do self e da autoridade religiosos no contexto em tela, justamente por sua complexidade e pelas adversidades envolvidas. A demanda inerente de adaptação por parte dos membros da comunidade e a necessidade de conciliação das diferenças possibilitam que hilm emerja, imprimindo, de alguma forma, a tradição islâmica local com suas características.