ISBN: 978-65-87289-36-6 | Redes sociais da ABA:
Mesas Redondas (MR)
MR 65: Religião, culturas africanas e lideranças afro-muçulmanas: atributos como ações significativas
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Coordenação:
Fanny Longa Romero (UNILAB)
Participantes:
Hannah Romã Bellini Sarno (UFBA)
Pingréwaoga Béma Abdoul Hadi Savadogo (UNIFESP)
Marina Berthet (UFF)

Resumo:
De acordo com um relato profético (hadith), um neto do profeta Mohammed, refere, "Memorizei do Mensageiro de Deus, que disse: Deixa de lado o que traz dúvidas, e apega-te ao que não deixa lugar a dúvida (Tirmizi Nasa`i)". A partir de uma análise sócio-antropológica, o relato religioso aponta, em termos de hipótese de trabalho, para a dinâmica da vida social e intersubjetiva de lideranças muçulmanas, nos modos como esses sujeitos mobilizam certos atributos e constroem comunidades islâmicas no mundo contemporâneo. O conceito de atributo se insere nessa discussão, não como um dado estabelecido e homogêneo e sim como uma questão central que, em equilíbrio tenso, fornece um caminho analítico para compreender os sentidos sociais das experiências muçulmanas. A proposta da Mesa é discutir, com base em dados de pesquisa etnográfica, a mobilização de atributos acionados por lideranças afro-muçulmanas na África e na diáspora. Interessa-nos problematizar de que modo os atributos são potencializados na interação social enquanto ações significativas na vida cotidiana, na busca de legitimidade e/ou reconhecimento religioso. Tal como afirma Alfred Schütz para o conceito de interação social, sugerimos que a noção de atributo é um "operar social" (SCHÜTZ, 2018) para a compreensão analítica de umma, eclipsando enfoques essencialistas e/ou deterministas sobre as normativas islâmicas, e instiga a uma escuta etnográfica de experiências intersubjetivas afro-muçulmanas, em processo.

Trabalho para Mesa Redonda
Atributos e sentidos de comunidades de fé na África do Oeste
Dr. Abdoul Hadi P.B. Savadogo (UNIFESP)
Resumo: Ni mana dô siguelen ye suma na, a don ka fô ko dô folola tele la (ao ver alguém na sombra, reconhece e afirma "sem nenhuma dúvida" que alguém fico antes no sol). Através desse pensamento social legitimando a tradição de liderança islâmica na África do Oeste, problematiza-se as articulações entre espiritualidade e lógicas sociais. As diferentes discussões teológicas e antropológicas no que diz respeito à liderança de comunidade de fé, se cristalizam ao volto das noções de: burudju/halala den/halala (filiação), horonya ne lambé (ética e nobreza de caráter), saramaya (carisma), jama mógó (estética no relacional/interação social; capacidade de administração de humanos), e de baraka (benção). Atributos significativos mediando o viver junto no que se refere à vida cotidiana quanto em situações/momentos de exceção, constituem critérios requeridos para a escolha e eleição dos podendo assumir o poder de autoridade. Através de marcos históricos, apreende-se o complexo processo de apropriação do islã pelas diferentes sociedades da África do Oeste. Conjugando o espaço-tempo na sua concepção islâmica, analisa-se a imaginação criadora através da qual as lideranças afro-muçulmanas junto às diferentes alteridades se constituem enquanto comunidade de fé e/ou de sentido de vida, atendendo à fidelidade da mensagem do islã na contemporaneidade.

Trabalho para Mesa Redonda
“Ninguém tem tolerância sem que ela seja posta à prova”: Al-Halim e autoridade religiosa na comunidade islâmica baiana
Hannah Romã Bellini Sarno (UFBA)
Resumo: De acordo com Talal Asad o Islã, como objeto de estudo, deve ser entendido como uma “tradição discursiva” a partir da qual modelos normativos da religião são recriados e atualizados histórica e culturalmente. O contexto desempenha um papel de suma importância também nas formas como a autoridade religiosa islâmica é e pode ser exercida. No cenário baiano, a história da presença islâmica no estado e as particularidades da composição de sua comunidade têm relevância significativa na sua dinâmica social e intersubjetiva, assim como nas possibilidades de atuação do seu líder, o Sheikh nigeriano Abdul Hameed Ahmad. Como base em pesquisa etnográfica e entrevistas em profundidade, esta comunicação busca compreender a produção do estilo de autoridade religiosa de Ahmad à luz das especificidades do ambiente no qual ela acontece. Com forte presença de migrantes da diáspora africana, um número apreciável de convertidos e uma ampla diversidade étnica, cultural e de formação teológica, a comunidade muçulmana baiana contemporânea requer tecnologias de liderança específicas. Sua heterogeneidade e os desafios postos para a prática religiosa como minoria, marcada pelo imperativo da adaptação de convertidos e imigrantes – os primeiros neófitos na religião e os últimos ambientando-se ao lugar – implica a necessidade de mobilização de atributos como tolerância e humildade, por parte de seus membros e do líder. Em termos de sua “tradução” teológica, essa disposição geral foi descrita pelo Sheikh como inspirada na qualidade islâmica Al-Halim. Um dos noventa e nove nomes de Deus listados na literatura religiosa, Al-Halim aparece diretamente derivado do texto do Alcorão. Na sua dimensão humana, ter hilm pode ser entendido como a capacidade de ter sabedoria e tolerância, permitindo a uma pessoa controlar sua indignação mesmo que seja justificada. Não se trata, no entanto, de um atributo estável ou dado. Como sugere o hadith narrado por Hisham ibn Urwa citado no título da comunicação, como ética islâmica da virtude, hilm precisa ser testada para emergir. No que concerne a sua liderança, o atributo foi descrito pelo Sheikh como uma “modalidade de paciência” que incide na sua capacidade de pesar corretamente as contingências, em particular as negativas, lhe permitindo concentrar “no que é importante”. O rasgo de caráter ou conduta associados com hilm se relacionam de forma especialmente interessante com o imperativo de construção do self e da autoridade religiosos no contexto em tela, justamente por sua complexidade e pelas adversidades envolvidas. A demanda inerente de adaptação por parte dos membros da comunidade e a necessidade de conciliação das diferenças possibilitam que hilm emerja, imprimindo, de alguma forma, a tradição islâmica local com suas características.

Trabalho para Mesa Redonda
Uma socialização do Islã em São Tomé e Príncipe?
Marina Berthet (UFF)
Resumo: De acordo com a proposta da Mesa, me propõe a apresentar uma reflexão inicial sobre a liderança afro muçulmana em São Tomé e Príncipe. Trata-se de uma liderança que se constituiu logo depois da independência e ao longo das últimas décadas. É notável que os líderes das duas principais comunidades muçulmanas do país se preocupem com a formação, discussão e acolhimento da comunidade muçulmana. Além disso parte da população não muçulmana é incluída nos programas e ações marcantes do cotidiano como distribuição de refeições durante o ramadã, intervenções de uma ONG, ajuda para construir casas. Procuro identificar e problematizar as formas de interações, os atributos acionados pelos líderes para estabelecer pontos de diálogo entre a população muçulmana, em devir muçulmana ou não muçulmana. A busca por uma legitimidade religiosa, social e política se faz gritante e é nuançada ao comparar as duas comunidades. Com base em uso de um vídeo realizado para acompanhar a liderança Ahmadiyya na ilha de São Tomé e Príncipe e entrevistas realizadas com o Imam sunita, procuro lançar mão de uma ballade etnográfica de experiências intersubjetivas afro-muçulmanas recentes, que se entrelaçam com várias pessoas, agentes sociais ou estatais.