Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 057: Etnografias em contextos de violência, criminalização e encarceramento
À Mesa da Prisão: Uma etnografia das práticas alimentares no Presídio Regional de Pelotas
A alimentação adequada e saudável é direito constitucional de toda população brasileira, mas dentro do
sistema prisional, essa não é uma realidade resguardada. Os relatórios nacionais referentes à alimentação
prisional demonstram que a comida oferecida a pessoas em situação de cárcere fere a dignidade humana, sendo
caracterizada por má qualidade, não apenas pela insuficiência de frutas e legumes, mas também pela presença
de alimentos estragados.
Durante o trabalho de campo, notou-se não apenas uma deficiência nutricional na alimentação, mas também uma
culinária insípida, na qual o ato de comer perde seu significado cultural e social associado à comida. Isso
faz com que o ato de se alimentar não reflita mais o pertencimento dos indivíduos aos seus grupos sociais e
resulta na perda da capacidade de evocar memórias afetivas ligadas à comida. Em vez de transmitir
significados culturais, a comida oferecida passa a ser apenas mais um elemento da rotina diária.
No Brasil, terceiro maior país do mundo em termos de população carcerária, os aspectos mencionados revelam
uma política de produção de morte, sobretudo, quando observado quais os grupos sociais com maior
participação nos índices de encarceramento: pretos, pobres e analfabetos.
Nesse cenário, a partir da observação de práticas alimentares da população carcerária do presídio masculino
regional da cidade de Pelotas/RS, a etnografia em curso, submetida à discussão neste GT, pretende apreender
tensionamentos revelados nesse contexto. A partir da pesquisa até então realizada, pode-se destacar dois
elementos: a alimentação como ferramenta de punição; as estratégias elaboradas pelos sujeitos a partir de
práticas de escambo para mitigar os efeitos da alimentação de baixa qualidade. Dentre as fontes de tensão
observadas em campo, estão as dinâmicas de organização da distribuição da alimentação e a insuficiente
disponibilidade de alimentos.
A comida se destaca como um elemento importante para ponderar sobre as complexidades que permeiam o sistema
carcerário. A superlotação das celas e o improviso de utensílios com garrafas PET e outros recursos
disponíveis, ressaltam a necessidade de uma discussão aprofundada da problemática. Práticas como o escambo,
em que se percebe que qualquer coisa pode ser trocada e negociada, desde chinelos até massagens nos pés -
como um interlocutor destacou, não há nada lá dentro, então tudo precisa ser inventado -, revelam-se de
extrema importância para apreender a dinâmica interna da prisão, os mecanismos de poder subjacentes e as
estratégias empregadas para contornar as condições adversas a que estão submetidos, como a superlotação das
celas ou o fato de as excreções fisiológicas serem realizadas no mesmo local em que se alimentam.