ISBN: 978-65-87289-36-6 | Redes sociais da ABA:
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 057: Etnografias em contextos de violência, criminalização e encarceramento
À Mesa da Prisão: Uma etnografia das práticas alimentares no Presídio Regional de Pelotas
A alimentação adequada e saudável é direito constitucional de toda população brasileira, mas dentro do sistema prisional, essa não é uma realidade resguardada. Os relatórios nacionais referentes à alimentação prisional demonstram que a comida oferecida a pessoas em situação de cárcere fere a dignidade humana, sendo caracterizada por má qualidade, não apenas pela insuficiência de frutas e legumes, mas também pela presença de alimentos estragados. Durante o trabalho de campo, notou-se não apenas uma deficiência nutricional na alimentação, mas também uma culinária insípida, na qual o ato de comer perde seu significado cultural e social associado à comida. Isso faz com que o ato de se alimentar não reflita mais o pertencimento dos indivíduos aos seus grupos sociais e resulta na perda da capacidade de evocar memórias afetivas ligadas à comida. Em vez de transmitir significados culturais, a comida oferecida passa a ser apenas mais um elemento da rotina diária. No Brasil, terceiro maior país do mundo em termos de população carcerária, os aspectos mencionados revelam uma política de produção de morte, sobretudo, quando observado quais os grupos sociais com maior participação nos índices de encarceramento: pretos, pobres e analfabetos. Nesse cenário, a partir da observação de práticas alimentares da população carcerária do presídio masculino regional da cidade de Pelotas/RS, a etnografia em curso, submetida à discussão neste GT, pretende apreender tensionamentos revelados nesse contexto. A partir da pesquisa até então realizada, pode-se destacar dois elementos: a alimentação como ferramenta de punição; as estratégias elaboradas pelos sujeitos a partir de práticas de escambo para mitigar os efeitos da alimentação de baixa qualidade. Dentre as fontes de tensão observadas em campo, estão as dinâmicas de organização da distribuição da alimentação e a insuficiente disponibilidade de alimentos. A comida se destaca como um elemento importante para ponderar sobre as complexidades que permeiam o sistema carcerário. A superlotação das celas e o improviso de utensílios com garrafas PET e outros recursos disponíveis, ressaltam a necessidade de uma discussão aprofundada da problemática. Práticas como o escambo, em que se percebe que qualquer coisa pode ser trocada e negociada, desde chinelos até massagens nos pés - como um interlocutor destacou, não há nada lá dentro, então tudo precisa ser inventado -, revelam-se de extrema importância para apreender a dinâmica interna da prisão, os mecanismos de poder subjacentes e as estratégias empregadas para contornar as condições adversas a que estão submetidos, como a superlotação das celas ou o fato de as excreções fisiológicas serem realizadas no mesmo local em que se alimentam.