ISBN: 978-65-87289-36-6 | Redes sociais da ABA:
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 089: Quilombos: processos de territorialização, movimentos sociais e conflitos
Comunicação de roça: fazer a lei dos outros vir ao encontro da tradição.
Em abril de 2020, diante do anúncio da pandemia de coronavírus, um ofício subscrito por 23 associações quilombolas do Vale do Ribeira foi mobilizado para solicitar a concessão de autorizações emergenciais para a realização de roças naquele ano. Nos trâmites ordinários até 2019 para fazer roça, a realização de supressão de vegetação exigia um licenciamento prévio baseado em duas leis Federais, o Código Florestal e a Lei da Mata Atlântica. Esse processo envolvia o georreferenciamento das áreas requisitadas, visitas técnicas e a elaboração de laudos por órgãos ambientais e fundiários. Desde a década de 80 as comunidades da região enfrentam embates com leis ambientais conservacionistas, sobreposições de territórios e, em especial para este trabalho, os atrasos na emissão das autorizações de supressão de vegetação nativa para abertura da roça tradicional. O objetivo deste trabalho é o de acompanhar as controvérsias e avanços suscitados pela demanda em torno desse rito do licenciamento no tempo certo, bem como as mudanças conquistadas em 2022 com a Resolução SIMA-98. Este trabalho observa, de modo comparativo, a forma como a licença de supressão de vegetação nativa para abertura de roça se deu até 2019 e como esta passou a transcorrer a partir da pandemia em diante, graças a mobilização das associações das comunidades quilombolas. As conclusões apontam para uma disputa de concepções de modo de vida e tensões que despontam de leis ambientais que, conforme Brandão (1999), são justas a distância, mas perversas em sua prática. É onde as regulamentações e os documentos são postos à prática e onde as miudezas e as temporalidades da aplicação legal podem se tornar grandes obstáculos. Os atrasos para emissão das autorizações resultam em incertezas no trabalho com a terra, segurança alimentar e permanência nos territórios. Na pandemia os procedimentos para obter a autorização ambiental passou a ser feita sem a necessidade de mobilizar tantos papéis e visitas técnicas antes de sua emissão, através do processo de comunicação de roça em caráter emergencial até 2021 e permanente a partir de 2022. Porém, destaco que não existe uma demanda para afrouxar as regras ambientais, e sim que elas sejam feitas levando em consideração os diversos modos de habitar o mundo e a proteção ambiental exercida pelas comunidades tradicionais.