Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 079: O visível e o in(di)visível: ciências, conhecimentos e produções de mundos.
O não dito como ato de testemunho: os desafios da situação etnográfica
A partir de uma pesquisa etnográfica sobre a circulação acadêmica dos cientistas sociais indianos que
fazem carreira na Europa, proponho uma reflexão sobre o papel desempenhado pelo não-dito e pelo silêncio em
uma etnografia do meio acadêmico. Meu trabalho de campo, que consistiu na observação participante em dois
centros de pesquisa especializados em estudos sobre a Ásia do Sul, um na Inglaterra e outro na Alemanha,
mostrou que uma etnografia da vida acadêmica inevitavelmente enfrenta tabus e 'inomináveis' (Mills and Berg,
2010: 336), mas também um lugar ambíguo do corpo e das emoções na construção de trajetórias acadêmicas
(Bourdieu, 2003 [1997]). Nesse contexto, acabei por recorrer a uma antropologia da "linguagem não
representativa" (Favret-Saada, 1977) a fim de compreender o potencial comunicativo das interações
face-a-face e das trocas não verbais (Goffman, 1974). No contexto do meu trabalho de campo, rapidamente
percebi que a palavra falada era frequentemente menos importante do que certa corporeidade, visto que o
enunciado de certas experiências, sentimentos ou opiniões poderia tomar a forma de uma espécie de afirmação
implícita cuidadosamente construída ao longo ato de testemunho.
Nesta exposição, exploro em detalhes uma situação etnográfica que, apesar de específica, permite uma
reflexão mais ampla sobre as palavras e o corpo na construção de conhecimento antropológico. A situação em
questão diz respeito a duas entrevistas realizadas com uma das minhas interlocutoras na Inglaterra, diretora
de um centro de pesquisa londrino. Como uma "mulher de pele escura" (dark skinned sendo o termo amplamente
empregado na Índia), nascida numa família de classe baixa e de casta mista, esta pesquisadora falou
repetidamente dos "desafios" de sua vida num ambiente dominado por pessoas de origens sociais privilegiadas,
de altas castas e de pele clara (fair skinned). Ainda que ela falasse muito sobre esses desafios, ficaria
claro para mim que havia uma mensagem que permanecia no nível de "conhecimentos não declarados, até mesmo
venenosos" (Das, 2007) que não era jamais articulada. Apesar do fato de que ela faz conexões diretas entre
discriminação de classe, casta e gênero, migração e vida acadêmica, duas coisas eram evidentes: havia uma
dimensão corporalizada no seu testemunho que constituía, ao mesmo tempo, o objeto de sua reflexão e uma
forma de "dizer"; e, para além do dito, ela tecia conexões que apenas expressavam algo quando analisados à
luz do seu ato de testemunho em sua totalidade.
Em suma, sugiro que uma análise antropológica do silêncio implica ir além da fixação disciplinar sobre o
"representado", ou seja, a palavra falada, o ato realizado ou a imagem. Aqui, atos fragmentários de
comunicação tornam-se elementos etnográficos centrais.