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Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 081: Os limiares do corpo: a circulação de substâncias corporais e a produção de pessoas e relações
Da remodelação dos contornos corporais ao tratamento de endometriose: gestrinona em circuitos de aprimoramento e práticas terapêuticas
Em abril de 2023 o Conselho Federal de Medicina publica a Resolução CFM nº 2.333/23, que proíbe a prescrição de esteroides androgênicos e anabolizantes nos contextos onde o uso destas substâncias visa melhorias estéticas, ganho de massa muscular e melhoria de desempenho esportivo. Apesar de fazer referência ao uso de qualquer formulação de testosterona (Inciso I, Art. 3º), a nota anexa à Resolução cita nominalmente apenas uma substância anabolizante: a gestrinona. Hormônio sintetizado na década de 1960, é consumido quase que exclusivamente por mulheres cisgênero através de diferentes formas e vias de administração, como comprimidos, óvulos vaginais e implantes hormonais. No Brasil, é particularmente difundido através dos implantes hormonais, também conhecidos como chip da beleza”. Em julho de 2022, a gestrinona foi incluída na Lista C5 do Anexo I da Portaria ANVISA nº 344/1998, que sumariza as substâncias anabolizantes de uso controlado no Brasil. Apesar da literatura biomédica contemporânea indicar que a substância está relacionada a práticas de aprimoramento estético, esportivo e sexual, como exemplificado pela Resolução citada e pela inclusão na Lista C5, ela também é utilizada no tratamento de condições como endometriose e miomas. Entre as décadas de 1980 e 2010, a gestrinona chegou a ser comercializada no Brasil para tratamento destas condições, mas os registros destes medicamentos foram cancelados a pedido dos próprios laboratórios. Dentre os efeitos colaterais relacionados ao seu uso, destacam-se aqueles atribuídos às características androgênicas da substância, como ganho de massa muscular, aumento da oleosidade de pele e cabelos, acne, engrossamento da voz e hipertrofia de clitóris. Seja no tratamento da dor crônica causada pela endometriose ou na conformação dos contornos corporais, a gestrinona é uma substância cuja circulação está atrelada a sua capacidade de transformar corpos e subjetividades. Na presente ocasião, apresento os resultados parciais de uma pesquisa exploratória, onde estive inserida em três grupos de usuárias de gestrinona na rede social Facebook. Estou particularmente interessada nos relatos que explicitam os processos de transformação – hormonal, fisiológica, corporal, subjetiva e de estilo de vida – (co)produzidos através e no uso da gestrinona. Através da análise de testes clínicos e da mediação de efeitos colaterais indesejados, realizada com o uso de outros medicamentos e substâncias, as usuárias enfatizam o papel ativo que desempenham nas suas práticas terapêuticas ou de transformação corporal. Estes relatos, narrados em primeira pessoa, demonstram como as mulheres passam a adquirir e produzir um conhecimento altamente especializado, desconhecido pelos próprios médicos/as endocrinologistas.