Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 056: Etnografias do catolicismo: práticas, rituais, experiências e trajetórias em perspectiva
Rituais funerários e catolicismo entre os Yanomami de Maturacá (AM)
A proposta desta apresentação é discutir as relações entre os Yanomami de Maturacá (São Gabriel da
Cachoeira, Amazonas) e o catolicismo, mais especificamente, seus modos de apropriação, tradução e
transformação das práticas cristãs e do discurso missionário nas cerimônias funerárias e em seu conhecimento
escatológico. Tema central de minha pesquisa de doutorado em andamento, o reahu é uma cerimônia funerária
Yanomami voltada, segundo meus interlocutores, para que o espírito do falecido siga satisfeito para a morada
dos mortos e, assim, se desassocie do mundo dos vivos. A cerimônia combina, de modo muito complexo,
conhecimentos míticos, xamânicos e escatológicos, reciprocidade, caça, artesanato, e relações com distintas
formas de alteridade além de ser atravessada pelo parentesco, especialmente pelo contraste
afins-consanguíneos, seu desfecho se dá no consumo de um mingau feito de banana-da-terra misturado com o pó
das cinzas dos ossos do morto.
Maturacá é um povoado Yanomami situado no extremo sudoeste da Terra Indígena, já na região do Rio Negro, e
conta com a presença permanente de missionários salesianos, ali estabelecidos desde meados da década de
1950. Dentre as inúmeras transformações impulsionadas por mais de seis décadas de contato com os
missionários, vale mencionar o sedentarismo e a redefinição das categorias socioespaciais locais, a
alteração das residências coletivas em favor das casas unifamiliares e a condução de jovens para internatos
em São Gabriel da Cachoeira. Em geral, a presença missionária é marcante no cotidiano de Maturacá: de
provedores de bens manufaturados e assistência sanitária, antes da existência de um posto de saúde local e
da intensificação das viagens à cidade, ao trabalho na direção da escola estadual indígena, instalada junto
à sede da missão. As missas, que ocorrem aos domingos, são bastante frequentadas e a maioria dos Yanomami
dali se consideram católicos.
Nesse contexto, nas últimas décadas, diante da intensificação das relações com o catolicismo e com os
salesianos, os Yanomami de Maturacá também passaram a sepultar alguns de seus mortos no cemitério da
paróquia local, processo que pode ser definitivo ou preceder à realização de um reahu. Assim, minha hipótese
é que a reelaboração das práticas funerárias constitui um modo específico pelo qual o catolicismo é
traduzido e incorporado pelos Yanomami. Tendo em vista que minha pesquisa está em estágio inicial de cotejo
dos dados etnográficos com a bibliografia, o objetivo desta apresentação é sugerir alguns caminhos possíveis
para compreender as apropriações Yanomami do cristianismo, as particularidades das cerimônias funerárias
realizadas em Maturacá, e a versão local que o catolicismo assume ali.