Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 004: Améfricas: retomadas na antropologia pelo pensamento indígena e da áfrica-diaspórica por meio de experimentos de linguagens e escritas contra-coloniais
Um “problema de prática”: a experiência sensível como produtora de saber nas ações das agentes comunitárias e indígenas de saúde.
Tomando por base a crítica ao poder que se delega à racionalidade do pensamento científico e sua tendência em desqualificar outras práticas produtoras de saber propomos pensar a desqualificação das experiências sensíveis e vividas como um “problema de prática” (Stengers, 2018) nas ações cotidianas da atenção à saúde da população indígena e da população negra. Para pensar esse “problema de prática”, trazemos o cotidiano experiencial das profissionais de saúde: Edilasomara Sampaio, mulher indígena pertencente à etnia Taurepang, que após anos trabalhando como agente indígena de saúde (AIS) e conselheira de saúde do Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) Leste de Roraima fez a formação de técnica de enfermagem e trabalha, hoje, como técnica de enfermagem nesta mesma instituição e Fátima Gavião, mulher negra, periférica e mobilizadora social pertencente à favela do Calabar em Salvador, que trabalha como agente comunitária de saúde (ACS) na Unidade de Saúde da Família Ivone Silveira. O que se observa nas ações dessas mulheres como agentes de saúde é a condição da experiência sensível e vivida como o meio das práticas que as animam, o meio das fronteiras de seus pertencimentos e de suas capacidades de pensar, sentir e fazer.
Para Edilasomara Sampaio, trabalhar como AIS e como conselheira de saúde a ensinou a defender os direitos indígenas e a buscar melhores condições de vida para sua comunidade. Segundo ela, o trabalho do AIS é muito importante na equipe multidisciplinar de saúde indígena (EMSI), pois ele é o olhar, o cuidado. “O AIS vê as pessoas, visita as casas, conhece a comunidade. Sabe da vida de cada lugar, sabe quem está doente, sabe quem é a parteira, o rezador e o pajé. Sabe do conhecimento de seus antepassados”.
Para Fátima Gavião, ser agente comunitária de saúde é pertencer a um lugar, a uma comunidade, é estar com as pessoas do cotidiano, “que são dos nossos, da nossa vivência, da identidade do local que nasci, que minha mãe nasceu, que minhas filhas nasceram também”. Segundo ela, se tornou mobilizadora social a partir de seu trabalho como ACS ao levar “as vozes que me falam e que me fazem também por serem o que eu penso, o que eu sinto, o que minhas filhas e meus netos sentem também ao pertencer a uma comunidade empobrecida por um racismo estrutural, no qual a maioria das pessoas pretas são colocadas em condições de menor importância”.
Destacar esse “problema de prática” é iluminar o modo como essas mulheres, ao moverem-se entre práticas e saberes, criam movimentos que acolhem suas próprias forças e produzem condições regeneradoras das comunidades, instituindo novas premissas para a construção das políticas públicas em saúde.