Trabalho para Mesa Redonda
MR 47: Mundos, estranhamentos mais-que-humanos e expansões no fazer etnográfico
Para uma antropologia especulativa dos museus: entre a cronotopia e a impermanência.
Sonia Regina Lourenço (UFMT)
Esta comunicação pretende pensar as relações entre humanos, não humanos e outros mais que humanos nos
museus de etnologia e seus acervos com os povos originários, tomando como situação etnográfica, a
experiência do Museu Rondon de Etnologia e Arqueologia da UFMT nos últimos dois anos. Para fins analíticos,
nos interessa o gesto especulativo como prática antropológica que nos faz perguntar sobre a natureza
ontológica das coisas e sobre as relações ontológicas que atravessam as alteridades presentes nos espaços
museais e em seus acervos (Debaise e Stengers, 2016). A virada ontológica é um gesto possível para ir além
dos diacríticos culturalistas e da cosmologia modernista presentes nos estudos sobre museus e coleções. Os
museus são espaços de relacionalidade entre pessoas, objetos e mundos, como envoltórios corporais de fluxos
que conectam as coisas em exibição, criam armadilhas à percepção, produzem narrativas e capturas na relação
entre humanos e não humanos (Gell, 2018). Estamos diante de territórios de agenciamentos e afetos que
deslocam as coisas de sua ontologia primeira, de sua funcionalidade e sentidos situados em outros
territórios. Desde o século XIX, os museus de etnologia provocaram desterritorializações e
reterritorializações de coisas e objetos de seus mundos originários, sobrecodificando-os como objetos pelos
processos de colonização, musealização e patrimonialização. Estas práticas fizeram dos acervos, locais de
abrigo e exílio de artes, técnicas, saberes de povos ameríndios e rastros da colonialidade. Na etnografia,
descrevemos a relação entre o acervo do museu e os territórios indígenas, a diferença entre o mármore e a
murta, as duas zonas ontológicas distintas (Latour, 1994; Viveiros de Castro, 2002). Essa distinção nos leva
a descrever dois modos de existência: a modernista caracterizada pela fixidez, a permanência, a cronotopia,
a dureza da matéria e os grandes divisores do ocidente não indígena; e a transformação, a fluidez, o
germinativo, a inconstância, como atributos dos povos da floresta. Com essa preocupação que o gesto
especulativo ao estabelecer alianças com os pensamentos minoritários e seus modos de existência
cosmopolíticos, passa a reorientar o fazer etnográfico ao perturbar os grandes divisores modernistas. Nessa
direção, a teoria da bolsa ficção de Le Guin (1986) fornece uma imagem do conhecimento desvencilhado das
grandes narrativas, voltado para a ficção científica e às práticas fabulatórias que nos engajam a descrever
as relações das pessoas com seus mundos.