ISBN: 978-65-87289-36-6 | Redes sociais da ABA:
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 057: Etnografias em contextos de violência, criminalização e encarceramento
"Diante da lei está um porteiro": Limites da justiça pelo Estado
Escrevo sobre como são constituídas e acionadas as categorias violência e crime nos processos de inteligibilidade na instituição policial, a partir de uma perspectiva etnográfica. Para isso, analisei dois inquéritos policiais tramitados na Delegacia da Mulher de São Luís no ano de 2018, que descrevem o caso de Vera e Dominique pois são capazes de evidenciar que o ato de fala da mulher não é apenas um dos procedimentos, mas se constitui como instrumento persecutório do processo penal. O caso de Vera carrega uma dupla narrativa: de um lado sentia-se vítima de uma violência sexual, do outro, não havia materialidade, nem tipificação possível para identificar que aquilo que ela descrevia seria um crime contra sua dignidade sexual. Esse fato ocorreu em abril de 2018, um período em que a classificação era impossível, pois não havia tipo penal específico para sua demanda. Logo, Vera sofreu uma violência, sente-se vítima, mas não é para o Estado e nem o será em breve, não por esse caso. Enquanto, o caso de Dominique, ocorrido em setembro de 2018, acessou a malha classificatória do Estado com uma narrativa semelhante à de Vera a partir da incorporação do sentido da violência a uma norma específica. Isso possibilitou que o processo fosse reconhecido como crime de importunação sexual e a usuária do serviço como vítima e o autor como investigado. Nos dois casos havia uma exposição moral da dor, do grito, do fato, do ato, do sofrimento. Não havia armas, sejam revólveres ou facas. A diferença, no entanto, estaria na lei penal do tempo da ação, na interpretação da norma, nos limites da justiça pelo Estado e suas servidoras. Assim, argumento que ao descrever os processos de Vera e Dominique não busco enfatizar as circunstâncias e similitudes das situações por elas vividas (que de fato são semelhantes), tampouco atear acusações contra a instituição e suas administradoras. Intento, antes, demonstrar que um fato é (re)atualizado cotidianamente a partir de fatores de transformação como a aplicação e a dinâmica do âmbito da lei; as concepções de crime registradas e compreendidas Estado; os procedimentos burocráticos, exames periciais e todos os mecanismos que podem ser acionados para transformar a violência em crime e a mulher em vítima.