Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 069: Maternidades Violadas: desigualdades, violências e demandas por justiça e direitos
"Foi a primeira vez que uma gestante foi ré": partos interditos e suas problematizações desde Fernando
de Noronha
O que acontece quando o fluxo gestacional é interrompido pela proibição de se parir em determinada
localidade? No Brasil há muitos distritos e municípios que não possuem aparato biomédico capaz de socorrer
uma intercorrência no parto. Parteiras tradicionais, por vezes, acabam sendo figuras centrais para atender
algumas comunidades. Mas apenas 01 lugar é expressamente proibido o parto: Fernando de Noronha. Mesmo partos
classificados como de risco habitual, ou seja, aqueles em que não haja fatores de risco iminente de morte da
mãe ou do bebê.
Em 2020, em plena pandemia de covid-19, uma gestante foi condenada por querer parir na ilha. O Estado
argumentou que a falta de estrutura biomédica para operacionalizar os nascimentos na ilha colocaria a mãe e
sua cria em risco de morte. Os argumentos para a interdição envolvem um conjunto de normas que vão desde as
orientações da OMS para realização de partos domiciliares, passando por regulamentos ambientais que
impossibilitam voos noturnos na ilha, dificultando assim o socorro na possibilidade de intercorrências, até
o regimento da ANAC acerca de tempo de gestação para viagens aéreas. Tudo isso culmina na realidade atual
das gestantes de Noronha que ao completar 28 semanas de gravidez precisam deixar a ilha para parir no
continente.
Este artigo propõe trazer a história de Alyne Luna, a primeira gestante que foi condenada pelo Estado por
ter fugido das autoridades com a intenção de não se colocar em risco, e assim, não colocar sua bebê em risco
de contaminação da Covid-19. Para esta discussão, abordaremos as justificativas oficiais à luz da
experiência das mulheres na ilha, em diálogo com as noções de risco e cuidado nas suas variadas
performances, ou seja, risco e cuidado técnico, hegemônico e legítimo versus noções de risco e cuidado
individualizados. A partir da pesquisa realizada entre 2018 a 2023, procuramos discutir e problematizar
estes trânsitos à luz da Antropologia do parto no Brasil, dialogando com conceitos como governança
reprodutiva, gestão de risco e cuidado dessas travessias do parto.
© 2024 Anais da 34ª Reunião Brasileira de Antropologia - 34RBA
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