ISBN: 978-65-87289-36-6 | Redes sociais da ABA:
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 069: Maternidades Violadas: desigualdades, violências e demandas por justiça e direitos
"Foi a primeira vez que uma gestante foi ré": partos interditos e suas problematizações desde Fernando de Noronha
O que acontece quando o fluxo gestacional é interrompido pela proibição de se parir em determinada localidade? No Brasil há muitos distritos e municípios que não possuem aparato biomédico capaz de socorrer uma intercorrência no parto. Parteiras tradicionais, por vezes, acabam sendo figuras centrais para atender algumas comunidades. Mas apenas 01 lugar é expressamente proibido o parto: Fernando de Noronha. Mesmo partos classificados como de risco habitual, ou seja, aqueles em que não haja fatores de risco iminente de morte da mãe ou do bebê. Em 2020, em plena pandemia de covid-19, uma gestante foi condenada por querer parir na ilha. O Estado argumentou que a falta de estrutura biomédica para operacionalizar os nascimentos na ilha colocaria a mãe e sua cria em risco de morte. Os argumentos para a interdição envolvem um conjunto de normas que vão desde as orientações da OMS para realização de partos domiciliares, passando por regulamentos ambientais que impossibilitam voos noturnos na ilha, dificultando assim o socorro na possibilidade de intercorrências, até o regimento da ANAC acerca de tempo de gestação para viagens aéreas. Tudo isso culmina na realidade atual das gestantes de Noronha que ao completar 28 semanas de gravidez precisam deixar a ilha para parir no continente. Este artigo propõe trazer a história de Alyne Luna, a primeira gestante que foi condenada pelo Estado por ter fugido das autoridades com a intenção de não se colocar em risco, e assim, não colocar sua bebê em risco de contaminação da Covid-19. Para esta discussão, abordaremos as justificativas oficiais à luz da experiência das mulheres na ilha, em diálogo com as noções de risco e cuidado nas suas variadas performances, ou seja, risco e cuidado técnico, hegemônico e legítimo versus noções de risco e cuidado individualizados. A partir da pesquisa realizada entre 2018 a 2023, procuramos discutir e problematizar estes trânsitos à luz da Antropologia do parto no Brasil, dialogando com conceitos como governança reprodutiva, gestão de risco e cuidado dessas travessias do parto.