Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 060: Experimentos de Ontologia: formas de mundialização desiguais e etnografia como atuar criativo.
Mitofísicas do Lactationoceno x Manifestos Materfuturistas
Assim como a plantation, a Lactation é um sistema de exploração colonial, imperialista, que se estrutura
sobre quatro patas: 1) grandes latifúndios, 2) monocultura, 3) trabalho escravo e 4) exportação para a
metrópole. Não por acaso, somos a única sociedade a desenhar, de certo modo, a plantation láctea, a
Lactation, como um geoglifo performado por mamíferas bovinas. Lactationoceno, portanto, é uma época
geológica determinante para o modo de vida mamífero e que data da criação do mito da Via Láctea, começando
nas estrelas, passando pelas amas de leite, vacas, cabras e ovelhas, até chegar nos grãos [soja, aveia...].
Seguindo a proposição de Danowski e V. de Castro em Há Mundo por Vir... [2014], de que o regime semiótico do
mito, indiferente à verdade ou falsidade empírica de seus conteúdos, instaura-se sempre que a relação entre
os humanos como tais e suas condições mais gerais de existência se impõe como problema para a razão,
podemos falar da Via Láctea enquanto mitofísica dado que 1) essa metafísica industrial em relação
extrativista com a substância é alimentada e fortalecida pelo negacionismo da realidade biofísica dos leites
humanos e outros-que-humanos e 2) o comportamento da substância leite e das operações de negação da
realidade levam à constatação de que ambos, leite e negacionismo, são hoje commodities em torno das quais
orbita boa parte da indústriam láctea. Em minha tese de doutorado Notas metafísico-metabólicas de uma
experiência mamífera [2022], parto de uma análise da noção de leite para produzir uma fratura epistêmica no
seio da experiência mamífera ocidental, questionando os persistentes extrativismos, invisibilizações e
lacunas na história do aleitamento humano e outro-que-humano, a partir de perspectivas contracoloniais,
feministas e científicas: Leite não é produto, é um produzir-com. Especular, nesse contexto, sobre
materfuturismos, é pensar-com a presentificação da experiência do cuidado da matéria que deriva do latim,
mater, e que quer dizer, literalmente, mãe e que implica em uma maternagem mais-que-humana e em uma
experiência de parentesco que complexifica e engendra outra sensibilidade diante da afirmação Todo leite é
leite materno. Sujeita oculta da palavra leite, a vaca segue como produto de uma fantasia mítica e símbolo
da questão biocapitalista. Este resumo se expande em encontro com o projeto Making Cow, de Cadena, o qual
pensa e promover uma ética da vida a partir da busca etnográfica de práticas de fabricação de vacas. A
questão do leite não atravessa apenas essa relação interespécies, perfurando a falaciosa divisão
homem/animal, mas também é atravessada por questões de raça, gênero e sexualidade baseadas em uma taxonomia
humanista que faz do tratamento mercantil da espécie um commodity.