Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 071: Mercados culturais e trabalho: desafios e fazeres etnográficos
Para além do espetáculo: pandemia e trabalho no carnaval carioca
Um site de viagens americano, em 2018, elegeu o desfile das escolas de samba do carnaval carioca como o
maior espetáculo da Terra, alcunha que, curiosamente, os agentes públicos - como a prefeitura do Rio de
Janeiro - e privados - como a Liga Independente das Escolas de Samba (LIESA) - que promovem a festa já
utilizavam desde o início do século para definir este ritual festivo-competitivo quase centenário.
Este espetáculo internacionalmente reconhecido é produzido através de um longo ciclo anual por uma série de
trabalhadores que, por meio dos seus ofícios, constroem os distintos elementos artísticos que encantam o
público a cada carnaval. São processos técnicos operados por trabalhadores da cultura que, no caso das
escolas de samba, são costureiras, ferreiros, pintores, escultores, marceneiros, aderecistas, figurinistas,
entre outros profissionais.
A emergência de saúde pública provocada pela pandemia de Covid-19 a partir do ano de 2020 interrompeu
diversas atividades laborais até que a cobertura vacinal permitisse a retomada. No universo carnavalesco,
seu impacto foi avassalador sobre a vida de alguns milhares de trabalhadores. O carnaval de 2021 não
aconteceu e os barracões ficaram fechados durante mais de um ano. Este cenário evidenciou a insegurança das
condições da força de trabalho que produz o espetáculo mercantilizado como símbolo nacional.
Através de uma relação entre agentes públicos e privados, o desfile manifestação cultural é comercializado
como um evento pela lógica turística. Em contrapartida, os produtores do espetáculo enfrentam os desafios e
dificuldades de um cenário de precariedade que estrutura a festa. A ausência de políticas públicas
destinadas à cadeia produtiva do carnaval é elemento central para o debate do caráter da gestão estatal em
relação ao evento.
Parte de uma pesquisa de tese de doutorado realizada em dois barracões de escolas de samba entre nos anos de
2019 e 2023, este trabalho irá versar, através de uma perspectiva etnográfica, sobre o impacto do isolamento
e da não realização do carnaval em 2021, até a retomada e os desfiles fora do período carnavalesco em 2022,
na vida de Augusto, homem negro que desempenha o papel de chefe de ateliê de fantasias com trinta anos de
experiência no carnaval. Por meio dele, abordarei os desafios do fazer artístico no universo carnavalesco,
as dificuldades impostas pela pandemia e a precariedade e insegurança do trabalho neste mercado.