Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 080: Ontologia e Linguagem: línguas indígenas, artes verbais e retomadas linguísticas
Ontologia, linguagem e movimento: uma abordagem tensiva sobre os xamanismos dos Hupdäh, Yuhupdëh e Dâw
Distanciando-se de concepções de linguagem que operam a partir da separação entre natureza e sociedade,
ou de conceitos como ideologia linguística (crenças e representações sobre a linguagem e sobre o real), o
presente trabalho enfoca o multinaturalismo linguístico a partir da análise comparativa e das dimensões
tensivas da poética dos soproencantamentos, gênero discursivo importante para os xamanismos dos povos
Hupd'äh, Yuhupdëh e Dâw que vivem no Alto Rio Negro-AM.
Trabalhos recentes sobre as línguas e artes verbais no Alto Rio Negro vêm apontando que, para contribuir com
o registro e fortalecimento do multilinguismo, é fundamental a atenção às proposições ontológicas dos
interlocutores indígenas quanto à tradução, dialogicidade, escuta e alteridade, tendo especial atenção às
artes verbais e formas de discurso xamânicas (Barreto, 2019; Chernela, 2018; Epps & Ramos, 2020). A
região do Alto Rio Negro-AM configura-se como uma das áreas com maior intensidade de multilinguismo no
Brasil e até no mundo. Há um total de 22 grupos étnicos indígenas que falam línguas das famílias
linguísticas Arawak, Tukano e a família formada pelas línguas Hup, Yuhup, Dâw e Nadëb.
As complexas dimensões do contínuo entre ontologia-linguagem-movimento que os soproencantamentos Hup, Yuhup
e Dâw revelam são aqui analisadas a partir da proposta de uma Antropologia Tensiva. Partindo da noção de
diferença transversal (Viveiros de Castro, 2008), enfoca-se os modos de comunicação entre heterogêneos,
entre multiplicidades intensivas, e busca-se descrever os caminhos vividos como linhas de fuga que acionam
relações intensivas, feixes de afecções e forças que transformam os termos ao fazer passar algo entre eles.
A aproximação crítica com a Semiótica tensiva permite então entender como o gradual e o contínuo aparecem em
fenômenos linguísticos, cosmológicos e nos múltiplos mundos vividos a entrecuzarem-se. Enfatizando-se uma
semântica das tensões e das gradações procura-se revelar as continuidades e descontinuidades entre a
intensidade (ordem do sensível) e a extensão (ordem do inteligível), o que torna possível entender como se
delineiam múltiplos campos de presença, centros dêiticos que correlacionam gradientes de presença e ausência
de humanos e Seres-outrem (Fontanille, 2007; Zilberberg & Fontanille 2001).