Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 088: Processos e histórias transfronteiriças de coletividades em movimento - Os desafios da mobilidade indígena na atualidade..
Circuitos Warao: parentesco, xamanismo e outros trânsitos
Desde 2016, um coletivo indígena vem chamando atenção de pesquisadores e autoridades brasileiras por
suas práticas migratórias. Eu mesmo venho acompanhando o processo desde 2017. Trata-se do povo Warao,
originário da Venezuela, que se encontra esparramado hoje por quase todos os estados do Brasil. A
comunicação tem como objetivo apresentar reflexões acerca das conexões que os Warao vêm estabelecendo entre
seu território tradicional, no delta do rio Orinoco, e uma série de cidades brasileiras, tais como Boa
Vista, Manaus, Teresina, João Pessoa, Belo Horizonte e outras. Os caminhos Warao são pavimentados,
sobretudo, por suas relações de parentesco e também por suas práticas xamânicas ligadas ao adoecimento e à
cura. A ferramenta analítica dos circuitos, advinda da antropologia urbana, é empregada como tentativa de
acompanhar não somente os caminhos Warao, mas compreender o que trafega e dá sentido à conexão entre
pessoas, coisas e lugares, buscando evitar a dicotomia enganosa entre indios aldeados" e índios na cidade".
Os Warao chegaram para fazer parte das paisagens urbanas brasileiras e vêm constituindo uma multiplicidade
de circuitos envolvendo indígenas e não indígenas: parentesco, xamanismo, artesanato, trabalho de rua,
movimento indígena, entre outros. Evidencia-se que a intensidade das chegadas e partidas Warao não obedece a
uma lógica utilitarista. Pesquisas recentes, além das minhas próprias, vêm demonstrando como os Warao aliam
as necessidades de sobrevivência com as suas obrigações de parentesco, mobilizando e fazendo chegar coisas e
informações a pessoas que vivem em diferentes partes do Brasil e na Venezuela. O destaque nesta comunicação
são os processos relativos à circulação de cuidados (idosos, crianças e enfermos), às trocas matrimoniais e
ao pagamento de dívidas com "brujos" (cura e proteção). As chegadas de grandes contingentes, as partidas
inusitadas e o retorno eventual à Venezuela, aspectos que causam confusão entre as equipes responsáveis
pelos acolhimentos institucionais, oferecem complexidade à compreensão do fenômeno que abarca dois problemas
prementes de política pública no Brasil: a migração transnacional e o direito dos povos indígenas em
situação urbana. Desde que ganharam visibilidade no Brasil, a partir de 2017, os Warao vêm sendo tratados
pelas autoridades como migrantes e refugiados. Acessam políticas para migrantes e se somam aos povos
originários do Brasil na denúncia de uma violência histórica: a inexistência de políticas diferenciadas para
indígenas em contextos urbanos.