Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 081: Os limiares do corpo: a circulação de substâncias corporais e a produção de pessoas e relações
Uma análise antropológica sobre a trajetória de uma mulher com a Síndrome de Mayer-Rokitansky-
Kuster-Hauser (MRKH)
Ao chegar à adolescência, algumas pessoas se deparam com a ausência de sangue menstrual, que marca o início
de um novo momento da fase reprodutiva em corpos com capacidade de gestar. A ausência desse marcador as leva
a clínicas e médicos para investigar as possíveis causas e, após exames de ultrassom e ressonância
magnética, recebem o diagnóstico: síndrome de Mayer-Rokitansky-Kuster-Hauser (MKRH). Essa síndrome é
caracterizada pela ausência congênita do útero, do colo do útero e dos dois terços superiores da vagina em
pessoas consideradas, na literatura biomédica, fenotípica e hormonalmente femininas. Considerada uma doença
rara, com incidência de 1 em 4.500 pessoas, e caracterizada como uma condição de "distúrbio do
desenvolvimento sexual", que se refere a um conjunto amplo de condições que afetam a vida reprodutiva e
sexual de seus portadores, a ausência congênita de útero pode ter implicações importantes na vida de um
indivíduo. Isso ocorre porque essa condição tem impactos físicos, psicológicos e sociais sobre esses
indivíduos, especialmente porque afeta seu potencial reprodutivo e sua percepção de si mesmos. Neste artigo,
apresentarei os itinerários terapêuticos e a trajetória de vida de uma mulher com MKRH, evidenciando a
centralidade do sangramento em sua vida. A ausência da menstruação evidencia-se como um marco disruptivo de
uma diagnóstico de doença reprodutiva, possibilitando a análise deste fenômeno como algo que se atribui à
normalidade em corpos lidos como feminino, bem como a possibilidade de criação de projetos de vida que
espera-se de mulheres, atrelados à maternidade. Contudo, neste caso também veremos como a síndrome traz
outro tipo de sangramento, vinculado à dilatação do canal vaginal, e como o sangue é significado e
vivenciado em relação à outros corpos e sujeitos, e como ele torna-se passível de moldar as subjetividades.
O material no qual essas análises se baseiam são de uma entrevista semiestruturada realizada com essa
mulher, a qual faz parte da minha pesquisa de mestrado em andamento, e me permite refletir sobre as conexões
entre os processos da doença, as práticas e os discursos biomédicos e as noções de gênero e normalidade.
Procuro refletir sobre como, e por meio de quais contextos, práticas e discursos, um órgão e suas
capacidades - e aqui, especificamente, o útero e a menstruação - tem um potencial tão grande para definir
identidades. Ao fazer isso, pretendo contribuir para o debate sobre a Antropologia da Saúde e do Gênero, que
abrange reflexões etnográficas sobre doenças, tecnologias reprodutivas, maternidade e identidades de gênero.