Trabalho para Mesa Redonda
MR 61: Por uma antropologia da agroecologia: desafio urgente perante o Capitaloceno
A persistência da eritrina segundo uma “Política com mato dentro”: um ou dois problemas da ‘vida’ nas ruínas do capitalismo
Árvores centenárias, na maioria nativas da Mata Atlântica, aliam-se a bananeiras, cacaus, cupuaçus. Múltiplas mãos prepararam cuidadosos berços para que elas, agora pequenas mudas, cresçam, floresçam e frutifiquem, zelando umas das outras, de gentes, bichos e demais seres outros-que-humanos. Sem Terras, pessoas negras, indígenas, pesquisadoras e militantes populares se reúnem em volta de um futuro em que seja possível “trabalhar mais com a cabeça, descansar os braços e alimentar a barriga”. Em uma pausa do trabalho na roça por vir, nossos olhos percorrem uma paisagem verdejante e sinuosa salpicada de pequenos pontos avermelhados. São flores de eritrina - “coisa de fazendeiro”.
Na região sul da Bahia, a persistência desta árvore sinaliza a longevidade de uma guerra ainda em curso. Ela também condensa a expressão espacializada do controle exercido, até quase a virada do século XXI, por uma aliança entre latifundiários, agências estatais e ciência. Nesta comunicação, argumento que movimentos de luta por terra e território não são os únicos coletivos a reivindicar o entrelaçamento entre a vida humana e outra-que-humana como condição de origem e continuidade da existência no planeta. Seus maiores inimigos há muito desenvolvem arranjos técnico políticos que visam subjugar processos vitais reduzindo-os a meros meios de extração de valor. Tendo em vista que o capitalismo produz, com cada vez mais frequência e intensidade, “arranjos mais-que-humanos”, como resistir à sua captura vitalista? E como, ao fazê-lo, defender a terra e os povos que dela vivem? Estas questões ganham corpo e constituem a agroecologia cultivada na região pela Teia dos Povos. Tal “política com mato dentro”, como às vezes é chamada, não se reduz a um conjunto de técnicas de cultivo agrícola, mas se volta a alguns modos de relação com a terra e as plantas para criar um arranjo existencial capaz de barrar o avanço da produção de ruínas capitalistas.
Assim, a partir de provocações suscitadas ao longo de meu trabalho etnográfico e militante junto a habitantes do Assentamento Terra Vista, busco mapear o contexto de atuação da eritrina e suas repercussões em diferentes escalas e temporalidades. Por fim, reflito sobre alguns dos modos pelos quais um diálogo com a “política com mato dentro” desestabiliza categorias nativas da própria antropologia. Se, como sugeriu Mestre Joelson, “a enxada é ferramenta para amansar antropólogos”, como uma etnografia “calejada” pode contribuir para a compreensão do vitalismo capitalista e para a luta por terra e território?