ISBN: 978-65-87289-36-6 | Redes sociais da ABA:
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 056: Etnografias do catolicismo: práticas, rituais, experiências e trajetórias em perspectiva
“Nem agouro, nem superstição”: a morte e os mortos a partir de uma cosmologia católica sertaneja
Nesta apresentação, partimos do pressuposto de que a morte, como um fenômeno sociocultural, não significa a ruptura das relações entre os sujeitos vivos e os mortos, já que é através da memória que permanecemos ligados a estes. Na perspectiva de uma cosmologia católica, que implica tais relações, assim como a natureza e a sobrenatureza que as cercam, essa memória pode ser compreendida através da interconexão de elementos como a saudade, o tempo, o espaço e os ritos que, justapostos, formam um complexo cognitivo/afetivo que permeia essas relações (Reesink, 2010; 2012). Assim, os sentidos atribuídos ao fenômeno da morte, e às relações que o envolvem, partem dos afetos concretos daqueles que os vivenciam, variando conforme as experiências dentro de realidades compartilhadas (Fravret-Saada, 2005; Rosaldo, 2019). No entanto, muitas das crenças e práticas que constituem essas relações são desconsideradas ou consideradas fora de seus contextos. Partindo disto, busca-se problematizar representações frequentemente estabelecidas em torno de contextos socioculturais territorialmente situados, como é o caso dos catolicismos praticados nos interiores, nas margens ou nos sertões do Brasil. Estamos nos baseando numa reflexão etnográfica acerca da ideia de superstição e aquilo que classificamos, a priori, como agouros de morte, para a comunidade católica de Pelo Sinal, distrito (ou povoado) de Solidão, sertão de Pernambuco. Na contramão dos discursos e práticas que reproduzem padrões etnocêntricos clássicos (Kuper, 2008), em Pelo Sinal é possível observar uma cultura de morte onde se manifestam não só narrativas, como também experiências sobre agouros, os quais, tidos como superstição, reaparecem atualizados na categoria dos avisos”. Os avisos, enquanto experiências que demandam uma ação simbólica e reflexiva dos sujeitos, estão contidos em um sistema de comunicação com os mortos e sobre a morte, tal como as relações de reciprocidade (Mauss, 2003). Assim, é na dinâmica desse sistema que imagens se "apresentam" e são vividas, elaboradas e compartilhadas nas formas dos sonhos, visões, sinais e pressentimentos, os quais chamaremos aqui de imagens-afeto, com o intuito de demonstrar, dentre outras coisas, diferentes formas de gerenciamento das angústias decorrentes da certeza da morte diante da sua imprevisibilidade, na comunidade em questão.