ISBN: 978-65-87289-36-6 | Redes sociais da ABA:
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 044: Dialéticas da plantations e da contraplantation: expropriação, recusa e fuga
Tecer vida, seguir em frente: mulheres quilombolas "convivendo com as secas" nas margens da plantation
Desde ao menos meados do século XVI há registros escritos sobre os severos efeitos provocados pelas secas no semiárido nordestino. A historicidade destes registros, o atual debate sobre as mudanças climáticas, bem como os variados sentidos que essa palavra assume demonstram a complexidade de seu entendimento. Afinal, as secas não podem ser reduzidas apenas a aspectos biofísicos, sendo produzidas por diversos modos de enredamento vinculados a dimensões ecológicas, político-administrativas, corpóreas, técnicas, discursivas e afetivas. Da mesma forma, tomadas como fenômenos ecobiopolíticos, as secas podem gerar, acentuar e reforçar processos de racialização, desumanização, animalização e altericídio característicos da plantation. O trabalho de campo desenvolvido entre 2016 a 2018 em uma localidade do agreste pernambucano junto com mulheres quilombolas possibilitou distanciar-me da seca como um evento inscrito em uma temporalidade linear ou cíclica, para elaborá-la partir da forma como as relações de expropriação, exploração e fuga a ela conectadas se inscrevem no cotidiano”. Partindo de uma região cujo debate sobre tragédias sociais e ecológicas é muito anterior às discussões mais recentes sobre o Antropoceno, me inspiro criticamente na noção de desastre ordinário para dar centralidade a práticas corriqueiras que se aproximam de ideia de convivência”. Convivência”, por sua vez, é um termo que ganha destaque no início dos anos 2000 ao orientar políticas públicas para este local, contudo, ela será abordada aqui em uma acepção mais ampla, que diz respeito aos saberes e fazeres produtores de vidas no e com o semiárido. Este trabalho busca, portanto, descrever e analisar as formas criativas de recusa, desvio e fuga presentes em três aspectos relacionados a modalidades de convivência com as secas”: o uso das águas, o cuidado com as roupas e a organização do samba. Como se verá, estas três dimensões estão articuladas, pois mobilizam artes, saberes e memórias através das quais essas mulheres tecem vida e projetos de futuro. Pelas águas, roupas e pelo samba elas costuram relações entre temporalidades, parentes e seres mediante uma ética e uma estética do cuidado de si, dos seus e do mundo que possibilitam driblar as atualizações do cativeiro e seguir em frente.