Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 057: Etnografias em contextos de violência, criminalização e encarceramento
A (des) construção da vítima inocente: Reflexões sobre a economia moral da inocência nas experiências
micropolíticas de moradores de áreas de favelas do Rio
Aborda-se a categoria vítima inocente e suas manobras de sentido na gestão da violência letal. Trata-se
de relato de pesquisa em curso, desde 2017, com juventudes periféricas e policiais do Rio de Janeiro.
Apoia-se no trabalho de campo em favelas cariocas em diálogo com a narrativa jornalística sobre operações
policiais construída por meio de uma base de dados de notícias de sites abertos. Adota-se como rumo
analítico a produção da insegurança como projeto político. Este opera um regime do medo que, com suas
práticas de exceção, administra e legitima o matar, o deixar matar e o deixar morrer como expressão da
governança com o crime. Evidencia-se as moralidades que caracterizam certas pessoas assassinadas como
vítimas de mortes praticadas por policiais e domínios armados. Revela-se que categorizar as vítimas é um ato
político, no qual o ato de nomear e atribuir sentido está em disputa entre agentes estatais, integrantes das
mídias, parentes dos vitimados, ativistas sociais etc. A violência letal sofrida por alguém não é um
marcador suficiente para que lhe seja concedido o status de vítima e de sua qualificação como "inocente"
post mortem. Vê-se a combinação negociada de atributos identitários e seus salvos condutos morais no
contexto de vitimização. Traz-se à cena discursiva as chaves interpretativas que reconstroem a trajetória do
candidato à vítima e de seus credenciamentos sociais. Tem-se manobras interseccionais das razões de cor,
gênero, orientação sexual, etária, classe, origem e inscrição religiosa para anunciar ou ocultar um lugar
legítimo de vítima e inocente. Ser uma vítima, de fato e de direito, requer um "nada consta" moral que
valide esta titulação póstuma e indique a fatalidade de uma morte injusta e sem merecimento. É preciso a
validação do Estado que só fala a sua língua, dramatizando um embate entre suas instituições de segurança e
justiça em busca da verdade soberana: quem pode e deve ser uma vítima inocente? A economia moral da produção
política da vítima em seus status, faz uso da antinomia inocência e culpa que diferencia as vítimas para
além da suas mortes e, em retrospecto, no aquém biográfico recontado quando ainda vivas. Nota-se os
rendimentos da fabricação de juízos classificatórios e sentenciamentos cumulativos e reversos para situar as
táticas discursivas que fazem justiça ao morto. Limpa o seu nome pela sua conversão processual à condição
futura de vítima inocente, morta injustamente. Ou confirma sua culpa prévia como uma vítima culpada,
envolvida com o crime, pelo seu desfecho fatal vindo de sua estória de vida, recriada como um auto
testemunho insuspeito ou uma prova inconteste da perícia social: foi morto, mas procurou a sua morte, pois
matar teria méritos e morrer teria merecimentos na guerra contra o crime.