ISBN: 978-65-87289-36-6 | Redes sociais da ABA:
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 027: Antropologias da Paisagem: Conhecimentos, Relações e Políticas Multiespécie
Paisagens invisíveis: espacialidade e memória no alto rio Uaupés (AM)
Nesta apresentação, vamos explorar as relações entre toponímia, narrativas míticas, benzimentos e outras formas de expressão simbólica assentadas nos lugares que compõem a paisagem da bacia do Uaupés, no noroeste do Amazonas. Os dados utilizados nesta reflexão são provenientes da pesquisa colaborativa realizada pelos povos Kotiria e Kubeo em 2016, no âmbito da elaboração do Plano de Gestão Territorial e Ambiental Kotiria e Kubeo, do qual participamos como colaboradores. Dentro do largo escopo do PGTA KK, o mapeamento de lugares "sagrados", isto é, lugares com nome e com história, que figuram nos "benzimentos" e narrativas míticas destes povos, ocupou um lugar central. Foram mapeados 713 lugares nomeados, sendo 482 lugares identificados como parte do território Kotiria (67%) e 231 lugares no território Kubeo (33%). Tratam-se de marcos geográficos (como rios, igarapés, lagos, canais, praias, cachoeiras, estirões, poços, ilhas, pedras, areais, serras, chavascais, etc.) que possuem nomes próprios e contrastam com seções territoriais que não possuem nomes próprios. Vamos argumentar que a análise comparativa dos dados Kotiria e Kubeo sobre os lugares nomeados nos permite pensar em "imaginários compartilhados" ou – como preferimos colocar – em uma espacialidade comum enquanto uma dimensão simbólica que estrutura o pensamento sobre o território. Espacialidade não deve ser entendida como uma categoria vazia, fria e objetiva em oposição aos lugares enquanto uma categoria carregada de sentido. Pensamos que a espacialidade articula as formas do pensamento cultural, enquanto os lugares articulam as substâncias que expressam as noções de territórios e mundos. Logo, podemos falar de uma espacialidade específica, no caso Kotiria e Kubeo, mas que também é compartilhada com outros povos do Alto Rio Negro e quiçá alhures. Neste contexto, pensar em termos de “paisagem” permite que se alinhe em um mesmo “plano de consistência” os diferentes níveis da experiência de humanos e não-humanos que a compõem, passando ao largo de uma divisão estanque entre natureza e cultura, que de resto seria alheia ao pensamento indígena.