Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 027: Antropologias da Paisagem: Conhecimentos, Relações e Políticas Multiespécie
Santo Também Luta: cosmopolíticas dos povos de terreiro em meio às ruínas do crime da Vale em Bumadinho - MG
Em 25 de janeiro de 2019, o desastre sociotécnico da Mineradora Vale S.A, causado pelo rompimento das barragens I, IV e IV-A da Mina Córrego do Feijão Brumadinho (MG) atingiu 26 municípios, ocasionou 275 vítimas fatais e deixou inúmeros/as atingidos/as em toda Bacia do Rio Paraopeba. Todavia, sob véu da categoria atingido, há uma diversidade de povos, comunidades e coletivos que experimentam, também de forma diversa, os impactos dos rejeitos em seus territórios e suas vidas em comum com o rio. Dentre estes, encontram-se os Povos de Terreiro, que têm atuado de forma organizada para que as políticas de reparação considerem as vidas humanas e mais-que-humanas que habitam seus territórios e que com eles teciam suas histórias. O objetivo destra pesquisa, ainda em curso, é desenvolver uma etnografia participante junto à comissão de atingidos pelo crime da Vale autonomeada como Povos e Comunidades de Tradição Religiosa Ancestral de Matriz Africana (PCTRAMA), com sede em Betim, a fim de evidenciar alguns conflitos que entendemos serem cosmopolíticos, em que se veem envolvidos amplos coletivos compostos por humanos, mais-que-humanos [santos, nkisis, orixás], e instâncias político-burocráticas como o Estado, Ministério Público, a Defensoria Pública de Minas Gerais e a Vale S.A, todos enredados no conflito e na luta por direitos e reparação socioambiental gerada pelo chamado Desastre de Brumadinho. Até o momento, realizados entrevistas com oito autoridades tradicionais de terreiros, além de caminhadas pelos territórios atingidos e participação em reuniões políticas do PCTRAMA. Os dados produzidos junto a nossos interlocutores indicam de forma evidente a participação ativa dos mais-que-humanos na luta por reparação. Orixás, pedras, plantas, águas, fungos e tantos outros seres, tratados pelas instituições de justiça e empresas como meros elementos das culturas destes povos, são evocados como sujeitos ativos da luta. Xangô, orixá da justiça, está à frente das demandas e lutas destes povos, Dandalunda (a própria água e seus seres) é celebrada em meio à morte/vida do rio e as folhas sagradas renascem e tecem a paisagem arruinada pelo rejeito. A cosmopolítica do PCTRAMA também de desdobrou na produção de um Protocolo de Consulta, uma importante ferramenta interlocução com Estado, empresas e academia e que também reafirma e denuncia violações dos direitos humanos e da natureza frequentemente silenciados em contextos de desastres sociotécnicos. A vida multiespécie, refeita em meio às ruínas do crime da Vale, ao mesmo tempo que ampliam a comunidade de viventes que lutam por reparação e justiça, evidencia outras dimensões do processo de se tonar atingido, resultado das múltiplas formas de ser afetado por humanos e mais que humanos que habitam os terreiros.