Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 085: Pesquisas sobre infâncias a partir das cosmologias tradicionais
O desastre da Samarco como crise crônica: vivências de infâncias e juventudes em Mariana (MG) e os
efeitos intergeracionais do rompimento da barragem de Fundão
O rompimento da barragem de Fundão, em novembro de 2015, no município de Mariana (MG), desencadeou uma
série de afetações às pessoas atingidas, que vivem cotidianamente o desastre enquanto uma crise crônica
(VIGH, 2008) e lutam para terem seus direitos garantidos. Nesse sentido, os efeitos violentos não se
limitaram ao momento do rompimento, mas ainda se reproduzem no tempo e no espaço, atrelados a padrões de
vulnerabilidade socioambiental e ao processo de gestão da crise (OLIVER-SMITH, 1999; ZHOURI, 2023). Este
trabalho apresenta uma reflexão crítica sobre o desastre, pensando-o a partir de um grupo social específico:
as crianças e os jovens de comunidades rurais atingidas. Tomando esses indivíduos como sujeitos de direitos,
enfatizamos sua capacidade de agência em meio ao desastre e nos atentamos para as formas como as infâncias e
juventudes são vividas nesse contexto. O deslocamento forçado de muitas famílias para a cidade de Mariana
restringiu a liberdade de movimento dos jovens ao impor novos riscos e limites, como a impossibilidade de
brincar na rua e de circular facilmente entre as casas de amigos e parentes. Por outro lado, as famílias que
permaneceram na zona rural lidam com a contaminação ambiental e com o esvaziamento social dos lugares.
Nessas condições, os laços de confiança e parceria estabelecidos ao longo dos anos pelo Grupo de Estudos em
Temáticas Ambientais (Gesta/Ufmg) têm sido determinantes para a participação privilegiada em momentos que
compõem o cotidiano das famílias atingidas. Ao longo da pesquisa, foi estabelecida uma interlocução não
apenas com as próprias crianças e jovens, mas também com mães, pais, avós, avôs e professoras. No geral,
chama atenção o modo como as relações de pertencimento às comunidades atingidas e os vínculos com o
território de origem são reconfigurados em meio ao desastre. Sob esse viés, as vivências das crianças mais
novas fornecem um acesso privilegiado à dimensão crônica da crise, pois para elas a experiência de ser
atingido não está atrelada a uma ruptura súbita da normalidade, a partir do rompimento da barragem, mas sim
a efeitos intergeracionais. Somos, enfim, conduzidos a refletir sobre a temporalidade da crise, sobre os
processos de comunicação de memórias entre gerações e de construção de identidades, entrelaçando
experiências passadas e presentes às possibilidades de futuro.