Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 073: Mobilidade, memória e etnicidade: trajetórias biográficas e familiares indígenas
Ayllunaka paulistanos - o sentido comunitário e familiar como base dos conjuntos autóctones andinos
na/da cidade de São Paulo
Estamos formando comunidades, estamos formando ayllus aqui neste país, nos diz Beatriz Morales,
Quechua boliviana, migrante há quase trinta anos na cidade de São Paulo, integrante do Kollasuyu Maya e da
Comunidad Autóctona Vientos del Ande. Como co-roteirista e co-protagonista da série documental Ventos do
Peabiru (2023), Beatriz explica, no segundo episódio, a expansão do Tawantinsuyu e do Kollasuyu, territórios
ancestrais das sociedades Quechua e Aymara, respectivamente. Ainda que secularmente recortados por
fronteiras coloniais e depois republicanas, estes amplos territórios seguem sendo percorridos por pessoas
Aymara e Quechua numa ininterrupta e dinâmica mobilidade ancestral (CELAC 2014).
A partir de meados do século passado e sobretudo nas décadas de 80 e 90, por diversos fatores, pessoas
Aymara e Quechua começam a migrar intensamente para além de seus povoados rurais e até para lá de seus
territórios ancestrais. Foram sendo ativados diversos processos de transterritorialização, de criação de
territorialidades de referência indígena centro-andina e altiplânica nas cidades de Buenos Aires, Santiago
do Chile e São Paulo (Branco 2023). Estes fluxos migratórios são iniciados pela migração individual do
sujeito adulto para rapidamente serem transformados em migrações familiares, articuladas por redes
comunitárias, entre familiares e vizinhos dos povoados e/ou cidades natais. O ayllu, a comunidade rural
originária andina (no plural Aymara, ayllunaka), começa a ser reinventado em contextos urbanos distantes. Os
conjuntos de música e dança autóctone altiplânica fazem parte dessa rearticulação migrante do ayllu enquanto
lógica comunitária de base.
Em São Paulo, estes conjuntos surgem na virada do milênio, quando estas redes migratórias e as estratégias
de subsistência socioeconômica da comunidade migrante já estavam relativamente estabilizadas (Branco 2022).
Em geral, os conjuntos são formados por grandes famílias e amigos e têm uma composição transgeracional, das
crianças aos integrantes mais velhos, os transmissores dos costumes e do saber musical. Os conjuntos servem
enquanto dispositivo de união e articulação familiar e comunitária migrante e como meio de transmissão de
repertórios culturais e espirituais de referência indígena andina às novas gerações. Como diz Teófilo
Pillco, fundador do Huaycheños de Corazón, no quarto episódio da série documental: De onde somos, para onde
vamos e como, com que vamos, esse seria nosso legado [para os nossos filhos e netos].
Nessa sintonia, a partir da minha etnografia doutoral e da série documental, esta comunicação busca refletir
sobre os elos entre família, comunidade e estratégias de integração e sobrevivência étnica destas pessoas
indígenas imigrantes internacionais e seus descendentes em São Paulo.